Do mais longínquo fundo dos tempos chegaram até nós sinais do que aconteceu no início de tudo. Chegar até nós, é uma forma de dizer. Na realidade, os cientistas procuraram arduamente até encontrar esses sinais ténues.
Perto do Pólo Sul, longe da poluição e onde o ar fino o permite, um telescópio chamado BICEP 2 detectou umas frágeis flutuações no fundo das micro-ondas cósmicas interpretadas como “ondas gravitacionais”. Há muitas dezenas de anos que os cientistas procuravam afanosamente provas do “Big Bang”. Mesmo estas só foram tornadas públicas depois de “limpezas” sucessivas de camadas de outros sinais produzidos posteriormente e que poderiam levar os cientistas a interpretar erradamente o que haviam detectado. Muitos outros testes haverá ainda a fazer até se ter a certeza absoluta de que se trata mesmo de sinais das “ondas gravitacionais”, já previstas teoricamente por Einstein.
Qual a importância da descoberta? Ela é evidente mesmo para um leigo como eu. Trata-se de ondas formadas tão perto do momento do surgimento do Universo, como sejam milionésimos de milionésimos de segundo. Isto é, basicamente, trata-se de algo que data do próprio momento da criação do Universo. Mostra que, logo após essa criação o Universo, do nada, sofreu uma enorme expansão, a que os cientistas já tinham dado o nome de “inflação cósmica”, mas que até agora não passava de uma teoria a necessitar de confirmação.
Aquilo que a nós nos parece infinitamente pequeno ou infinitamente grande tem, até agora, duas explicações físicas diferentes, sem qualquer contacto entre si, respectivamente a teoria quântica e a teoria da relatividade. A impossível conciliação destas duas teorias dificultava uma explicação coerente do Universo.
O simples facto de o Universo poder ser “visto” naquele momento em que era infinitamente pequeno, ou pelo menos os sinais desse momento, vai permitir a aplicação da teoria quântica àquilo que logo depois só se explica pela moderna teoria da gravidade, decorrente da teoria da relatividade.
Na prática, vai poder ser possível conciliar o inconciliável, isto é as duas teorias até agora existentes.
É toda uma nova janela que se abre à Humanidade para o conhecimento do Universo em que existimos. A possibilidade de o homem poder finalmente “observar” o início do Universo traz-lhe a capacidade para compreender muito melhor a realidade e isso é uma consequência extraordinária do trabalho e do génio humano.
O leitor achará talvez estranho dedicar uma crónica a uma matéria que foge tanto ao dia-a-dia e à qual a nossa comunicação social deu zero de atenção. Mas devo dizer que, neste caso, o problema está na comunicação social que se tornou incapaz de sair das matérias a que toda ela se dedica em simultâneo.
Se há descobertas científicas destinadas a mudar o mundo ou, pelo menos a percepção dele é esta; mais até do que o “Bosão de Deus” a que se deu, e bem, tanta atenção. Provavelmente todos darão por ela quando originar um prémio Nobel e sairão nessa altura os grandes títulos sobre “a maior descoberta do século”.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Março de 2014
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