segunda-feira, 17 de março de 2014

Reabilitar ou construir

Até ao eclodir da crise internacional de 2008, à qual se seguiu a nossa própria crise de que ainda não saímos, a construção constituía um dos sectores mais importantes da economia portuguesa. Reflexo da descida abrupta das taxas de juro e da abertura ao crédito fácil que se seguiram à entrada na zona do euro, pode-se considerar que a construção explodiu em Portugal. É mesmo uma das causas do elevado endividamento externo privado, dado que os Bancos iam lá fora buscar o dinheiro que cá dentro emprestavam à construção.
As Autarquias também ajudaram à festa, satisfeitas com as receitas que tal actividade lhes proporcionava. Aproveitando um regime legal facilitador das operações de loteamento, as cidades cresceram em mancha de óleo, muitas vezes de forma desordenada e fazendo subir os custos sociais inerentes ao afastamento habitacional dos serviços necessários, como escolas, hospitais e até empregos.
Enquanto isso se passava e o país corria alegremente para o precipício, ignorando olimpicamente os avisos em contrário que os houve e muitos, os centros das cidades foram sendo abandonados à sua sorte. Mesmo os comerciantes dos centros que viviam nos prédios onde tinham as suas lojas no rés do chão, foram no canto da sereia e usaram os rendimentos dos bons tempos de vendas fáceis, para construírem as suas moradias nos arrabaldes das cidades. Assim contribuíram de forma poderosa para o vazio residencial em que os centros urbanos se foram tornando e ajudando a criar as condições para a falta de clientes de que hoje se queixam, com razão.
Mas a crise trouxe a oportunidade de olhar hoje de forma diferente para os centros das cidades e não me refiro apenas aos centros históricos. Muitos jovens olham para esses centros como uma boa alternativa de escolha de local para viver, evitando os custos das longas deslocações casa/emprego, uma vantagem importante quando tantas funções exigem hoje muito mais horas de trabalho do que as clássicas “nove às cinco”.
Sucede, no entanto, que grande parte do edificado antigo não oferece as condições de conforto ou mesmo de habitabilidade exigíveis como mínimas nos dias de hoje. É, assim, necessário fazer obras para adaptar esse edificado antigo às actuais necessidades. A legislação reguladora da construção também acompanhou, e bem, os bons tempos do ilusório progresso das últimas décadas, tendo ido buscar tudo o que de melhor e de mais sofisticado existe no mundo rico, no que diz respeito, por exemplo, às condições de isolamento acústico e térmico, acessibilidades a quem não possui as habitiais condições de mobilidade, etc. Poder-se-à, com razão, afirmar mesmo que fomos longe demais na regulamentação que foi sendo feita de forma parcial e não como um todo, esquecendo por vezes os elevadíssimos custos inerentes, mas não é disso que trato nestas linhas. O pior foi que se esqueceu o edificado existente, cujas obras de remodelação teriam que seguir os regulamentos da construção nova, complicando desajustadamente os projectos (que por vezes são mesmo inexequíveis face aos regulamentos) e aumentando extraordinariamente os custos dessas intervenções. Tudo isto contribui para que, em Portugal, a reabilitação do edificado represente apenas uns parcos 6,5% da actividade da construção, contra os 37% da restante Europa.
Foi assim com grande satisfação que se soube da intenção governamental de isentar durante sete anos a reabilitação dos edifícios localizados em Áreas de Reabilitação Urbana e, talvez ainda mais importante, dos edifícios construídos há mais de trinta anos, de cumprir a regulamentação técnica que entretanto foi surgindo. A condição é que as obras de reabilitação não introduzam desconformidades nem agravem as condições existentes. É certamente uma medida poderosa para impulsionar a reabilitação dos centros das nossas cidades, pelo que aqui se saúda, enquanto se ajuda ao necessário conhecimento geral.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Março de 2014

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