As circunstâncias em que ocorreu o recente trágico acidente com um autocarro na A-23 suscitaram, e bem, iniciativas várias das autoridades que detêm responsabilidades a nível da segurança rodoviária.
Este acidente envolve no entanto outros factores que devem merecer a nossa atenção, porque, embora mais notório que o habitual pelo elevado número de vítimas mortais que provocou, poderá não ser um caso isolado, antes um sintoma de problemas graves que extravasam a segurança rodoviária.
Foi referido na comunicação social que no automóvel ligeiro envolvido no acidente que se verificou eram quase oito horas da noite, seguiam quatro pessoas, professores e professoras, que regressavam a casa após o trabalho na escola.
A actual organização social portuguesa promove a necessidade de deslocação diária de muitas pessoas entre a residência e o local de trabalho, com utilização de automóvel. Essas deslocações são frequentemente demasiado longas e obrigam a um dispêndio de energia que provoca cansaço e até sono permanente nas pessoas.
O desaparecimento do mercado de arrendamento e a sistemática compra de casa por casais novos por recurso a crédito bancário criou uma rigidez na sociedade com consequências a diversos níveis. Uma delas é precisamente a necessidade de se efectuarem viagens cada vez mais longas casa/trabalho por parte de ambos os membros do casal, que normalmente até trabalham em locais diferentes.
Por outro lado, as condições de trabalho dos dias de hoje exigem muito mais horas diárias de trabalho do que era normal até há uns anos. Todos sabemos que na prática, em muitas profissões, os horários de trabalho são coisa que já era.
A conjugação destes factores, associada com a vontade de dar algum apoio aos filhos no final do dia, ainda que escasso, cria uma instabilidade psicológica generalizada que dá origem, aliás, a um consumo excessivo de ansiolíticos e anti depressivos que é dos mais elevados da Europa.
Eu sei que dar solução a estes problemas não é fácil, já que resultam de uma deficiente organização da nossa sociedade que tende a abandonar a família como seu núcleo central.
Mas é preciso, pelo menos, tomar consciência desta desestruturação social e começar a virar o rumo para uma organização social que, fundamentalmente a nível laboral, crie condições para que os pais e mães não tenham que se deslocar diariamente largas dezenas de quilómetros e que tenham calma e disponibilidade de tempo para os filhos.
Publicado no DC em 12 Novembro 2007
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