Durante muitos anos, fui defensor da regionalização do país. Ainda estou convencido de que teria havido toda a vantagem se o país se tivesse regionalizado durante a chamada fase de “desenvolvimento” que se seguiu ao 25 de Abril. Penso que teria sido particularmente importante para a aplicação dos quadros comunitários de apoio da então CEE e hoje União Europeia, dado que a divisão em regiões poderia ter permitido uma aplicação mais homogénea desses dinheiros pelo país, evitando-se as macrocefalias que hoje se verificam.
Esse tempo, no entanto, já passou. Hoje em dia, poucas infra-estruturas apoiadas por aqueles fundos há que se possam verdadeiramente chamar de regionais, tendo a perspectiva dos grandes investimentos uma lógica muito mais nacional.
A experiência nacional em termos de regionalização dever-nos-ia hoje levar a uma atitude muito mais prudente quanto a esse caminho. De facto, existem já em Portugal duas regiões que dispõem de uma autonomia muito ampla, a nível político, administrativo e financeiro: os Açores e a Madeira.
Na região autónoma dos Açores realizaram-se eleições para a Assembleia Regional há cerca de uma semana.
Dos cerca de 190.000 eleitores inscritos, votaram umas escassas 90.000 pessoas, o que significa uma abstenção recorde de 53%. Isto é, mais de metade dos eleitores açorianos não achou relevante ou necessário para as suas vidas participar nestas eleições.
O partido que ganhou as eleições, o PS, teve pouco mais de 40.000 votos, que lhe garantiram contudo uma maioria absoluta.
Para representar aquele número de eleitores, o parlamento açoriano tem 57 deputados; o leitor leu bem: cinquenta e sete deputados regionais.
Por outro lado, na Madeira está o mesmo partido no poder sem interrupções desde 1978 com o mesmo presidente de Governo Regional: o Dr. Alberto João Jardim. Nos Açores, durante 20 anos esteve o mesmo partido no poder com o mesmo presidente de Governo Regional: o Dr. Mota Amaral. Quando o Dr. Mota Amaral resolveu ter uma carreira política nacional, o poder passou para o Dr. Carlos César, que já vai no 4.º mandato. Parece já ser evidente que só sairá quando muito bem assim entender.
Depois de uma fase em que a regionalização significou de facto uma recuperação de um atraso insustentável, tanto na Madeira como nos Açores verifica-se hoje a existência de obras que representam despesas absolutamente excessivas, para não dizer outra coisa. As obras de requalificação do porto de recreio e Avenida Marginal de Ponta Delgada, recentemente concluídas e que custaram cem milhões de euros, deveriam fazer-nos parar a todos para reflectir sobre a regionalização.
Eu bem sei que a regionalização prevista para o continente não terá os mesmos graus de autonomia que as da Madeira e dos Açores. Devo, aliás, assinalar que não estou de forma nenhuma a colocar em causa a autonomia da Madeira e dos Açores, compreensível e justificável por várias e boas razões.
Mas só de pensar em cinco regiões no continente com boa parte das características das regiões autónomas, confesso que me arrepio.
Criar as regiões no continente será como abrir uma caixa de Pandora. Saber-se-á como começa, mas ninguém saberá como acaba. Olhe-se aqui para o lado, para a vizinha Espanha, e veja-se a profundidade da autonomia que as regiões foram conquistando, muito por causa das lutas político-partidárias.
Muito provavelmente, os primeiros líderes regionais continuarão a sê-lo dezenas de anos depois. Aparecerá uma nova camada de pessoal político nesse nível de decisão. As regiões muito dificilmente poderão corrigir as assimetrias já existentes num país de tão reduzida dimensão como o nosso, potenciando provavelmente o contrário.
Sei que esta minha posição vai contra a forma de pensar politicamente correcta, nomeadamente em Coimbra.
Mas as situações mudam com o tempo, pelo que, nos dias de hoje, repito, parece-me da mais elementar prudência uma nova fase de pensamento sobre a regionalização.
Publicado no Diário de Coimbra em 27 de Outubro de 2008
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