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segunda-feira, 24 de novembro de 2008
A FALTA QUE A VERGONHA FAZ
No primeiro livro da Bíblia, é descrito como, depois de praticarem o acto proibido, Adão e Eva tiveram vergonha e se sentiram nus.
A vergonha é, assim, um dos mais antigos e eficazes processos que a sociedade tem para prevenir a prática de actos considerados errados e condenáveis.
Ao longo de milhares de anos, a moral foi definindo critérios para determinar o que é ou não aceitável, tendo-se desenvolvido um quadro ético de relacionamento entre os indivíduos, entre estes e a sociedade, e mesmo entre todos e o Universo que nos rodeia.
Em simultâneo, a civilização humana foi desenvolvendo códigos e leis que regulam as nossas relações sociais e económicas. É assim que quem não tem grande respeito pelos valores éticos, tem pelo menos medo da punição pelos actos ilegais que venha a praticar.
Mas a vergonha social esteve sempre presente, ao lado do medo da Justiça.
A sociedade de hoje está a mudar todo este quadro.
Como se sabe, quer se goste, quer não, as religiões foram desde sempre o maior fornecedor de critérios morais às sociedades. A racionalização da sociedade ocidental está a levar a um acantonamento das religiões por parte dos Estados, pretendendo-se regular por lei todo o tipo de relacionamento entre as pessoas. Tende-se, assim, a considerar que os valores éticos dizem apenas respeito àqueles que seguem as suas religiões, não tendo os outros nada a ver com isso.
A consequência é um relativismo crescente que leva a considerar toda e qualquer posição como respeitável, dentro das normais definidas pela lei.
Por outro lado, a ligeireza introduzida pelos novos estilos de vida e pela inundação de informação, trazida primeiro pela televisão e depois pela internet, potencia o afastamento do pensamento profundo, da seriedade e mesmo da responsabilidade.
Uma das consequências desta evolução é claramente o desaparecimento progressivo de um quadro genericamente aceite de referências éticas e, portanto, do próprio sentimento pessoal de vergonha.
O sucedido há poucos dias, aquando da condenação de uma presidente de Câmara por três actos ilícitos, é bem a prova do que acima fica dito.
A senhora, ao ser proferida a sentença, apresentou-se como uma vencedora, porque não foi para a cadeia. Para ela, o único problema era esse. Como a vergonha desapareceu por completo do quadro mental, o que resta é a sanção judicial: não havendo prisão, ainda que haja condenação, o sentimento pessoal é de vitória e é isso que é transmitido.
Pior ainda, o tratamento dado ao caso pela comunicação social vai no mesmo caminho.
Uma sociedade que promove o desaparecimento do sentimento da vergonha, substituindo-o pela fria decisão judicial, vai por maus caminhos e só pode esperar um mau fim.
Publicado no Diário de Coimbra em 24 de Novembro de 2008
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