A actual crise económica e financeira tem servido para os maiores desvarios ideológicos. Generaliza-se a ideia de que a solução dos nossos problemas está exclusivamente no Estado, porque é um actor racional, ao contrário do Mercado, que deu provas de se comportar irracionalmente. Esquece-se assim, de um fôlego, a história empresarial como um dos grandes progressos da humanidade, que funcionou, com o racionalismo que usa para as decisões, como base de todo o desenvolvimento dos últimos duzentos anos. Para alguns mais saudosos dos tempos de brasa de Vasco Gonçalves, os problemas da banca resolver-se-iam mesmo pela sua nacionalização sistemática.
Como responder a isto? Basta recordar que na base da actual crise mundial estão os chamados “produtos tóxicos” financeiros. Estes tiveram origem no “subprime” norte-americano, uma criação do Estado, repleta de boas intenções, para que toda a gente pudesse ter acesso a casa própria nos EUA. Passou-se isto ainda no tempo de Clinton; entretanto, os fundos Fannie Mae e Freddie Mac cresceram de tal maneira que levaram a uma valorização excessiva do mercado imobiliário. A consequência imediata é bem conhecida: toda a chamada banca de investimento foi infectada, seguindo-se, por contágio, a banca comercial e a chamada economia real.
Ouvi alguém defender recentemente que a política é como um pêndulo: umas vezes balança para a direita, outras vezes para a esquerda. Segundo essa teoria, quem ganha as eleições é quem estiver no centro do pêndulo no momento certo. Para ganhar eleições, tudo o que então seria preciso é ter a argúcia de ocupar esse sítio no momento das eleições. Quando o pêndulo anda mais à esquerda, tiram-se do bolso umas medidas sociais fracturantes; quando o pêndulo puxa mais para a direita, arranja-se algo em conformidade.
Assim se compreende melhor a proposta abstrusa dos casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo feita neste momento específico, dois meses depois de ter sido recusada pelos actuais proponentes.
Parece que há quem ache que a aceitação dos métodos que os Estados estão a usar para combater a crise significa que o eleitorado passou a defender mais Estado, logo, está mais à esquerda no espectro ideológico. Estes métodos, recorde-se, consistem em injectar dinheiro dos impostos actuais e futuros para cima dos problemas. No meio disto, só o ministro das Finanças parece não ter perdido o Norte, porque reconhece calmamente que os actuais governos se vêem obrigados a navegar sem GPS, isto é, às cegas.
Há mesmo por aí quem recorde que já Hegel defendeu algures que o Estado é o centro da ideia ética, e que, perante a actual situação, deverá ser o mesmo Estado a moralizar o capitalismo. Doce engano. Perante a economia, se o Estado cumprir aquilo para que serve, isto é, cumprir leal e rigorosamente as suas funções reguladoras e de supervisão, já ficaremos todos satisfeitos. Ninguém na economia precisa que o Estado lhe venha dizer o que deve produzir, quando e como.
Publicado no Diário de Coimbra em 2 de Fevereiro de 2009
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