Nos últimos tempos temos assistido a uma violenta alteração do ambiente político em Portugal. Nada que nos deva surpreender, porque as crises económicas profundas e prologadas trazem sempre dentro de si o fermento para mudanças políticas significativas. O contrário, isto é, a manutenção do “status quo” que muitas vezes provocou ou potenciou a crise económica é que seria de espantar.
Não estou a falar das alterações de liderança no interior dos partidos, necessárias como resposta às insatisfações e anseios de mudança da população, mas da forma como o próprio sistema político funciona.
Os resultados das últimas eleições legislativas que retiraram a maioria absoluta ao partido do Governo poderão explicar muito do que se passa. Mas a actual situação vai muito para além disso.
Primeiro, temos uma chocante mistura entre política e Justiça, que só pode dar maus resultados, se não for travada rapidamente. Infelizmente, os principais responsáveis pelas diversas instituições que têm a ver com a aplicação da justiça parecem apostados em convencer toda a gente de que têm uma agenda política própria ou, no mínimo, que não têm suficiente independência relativamente a outros poderes.
Os casos “alegadamente” relacionados com corrupção ligada a decisões políticas surgem com uma regularidade impressionante. Sugestivamente, e certamente não por acaso, a tentação de culpar os portadores de más notícias isto é, a comunicação social, é algo em que muitos dos decisores políticos caem hoje em dia de forma clara e evidente.
Como consequência, a população tende a olhar para todos os políticos com doses cada vez maiores de desconfiança. O facto de os vencimentos dos gestores das principais empresas participadas pelo Estado serem obviamente exagerados face à economia nacional, o que, aliás, foi vincado pelo Sr. Presidente da República há uns dois anos, está a envenenar todo o ambiente político. A isso não será alheia a evidência para toda a gente de que esses responsáveis já passaram praticamente todos pelas cadeiras dos governos de diversas cores políticas.
Os custos associados ao funcionamento da Assembleia da República circulam por toda a internet, com os comentários mais díspares, mas manifestando sempre choque e muitas vezes repulsa pelos números envolvidos, como se a Democracia não tivesse custos. O que se deve colocar em questão não são os custos em si mesmos. De facto o número de deputados é que é excessivo. E diga-se também que o processo interno de escolha dos candidatos a deputados por parte dos partidos é muitas vezes obscuro e utilizando critérios no mínimo facciosos, para não ser demasiado antipático. Isso reflecte-se posteriormente na constituição da Assembleia, como é patente nos dias de hoje quando olhamos para boa parte dos diversos grupos parlamentares. Digo olhar, porque quanto a ouvi-los bem, nem vale a pena comentar. A consequência desta prática dos partidos é a difusão da ideia de que os deputados só servem para gastar dinheiro, já que não produzem nada, o que é inteiramente errado e mesmo perigoso.
Mas em relação à Assembleia da República há uma alteração mais significativa e importante. Uma das suas funções constitucionais é a fiscalização da actividade governativa, para além da actividade legislativa. Ao longo dos anos, essa função tem sido claramente relegada para segundo plano. Essa prática e esses hábitos estão hoje a sofrer uma mudança radical, com o surgimento de duas Comissões Eventuais de Inquérito e a possibilidade de surgir ainda mais alguma a curto prazo. A consequência é que a actividade dos Deputados que nos entra todos os dias em casa através da TV, é quase exclusivamente a de inquirirem as mais diversas personalidades da vida política e económica. Isto nada tem de mal, é algo que se passa nos parlamentos de todas as democracias. Mas entre nós ainda se reveste de alguma novidade, e é bom que nos vamos habituando, porque vai contribuir para dessacralizar boa parte da actividade governativa do país e isso tem consequências.
Publicado no Diário de Coimbra em 12 de Abril de 2010
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