Na sua célebre trilogia MILLENNIUM, Stieg Larsson deu ao primeiro volume o título "Os Homens que Odeiam as Mulheres". Título poderoso cuja razão se vai compreendendo ao longo da leitura viciante do romance em que Larsson aborda problemas mentais graves de homens e mulheres da nossa sociedade actual, que conduzem aos abusos e maus tratos de mulheres e crianças de que todos os dias os jornais nos trazem notícias. Não pude deixar de me lembrar dos romances de Stieg Larsson ao ler um título contrário numa revista de "referência" portuguesa. De facto, a Visão não conseguiu melhor maneira de chamar a atenção para o seu artigo sobre o que está a suceder a Dominique Strauss Kahn, ex-Director Geral do FMI, do que este: "O Homem que Gosta de Mulheres". Não deve ser possível mais mau gosto e manifestação de machismo bacoco.
Não sei se DSK praticou aqueles actos no luxuoso Hotel Sofitel de Times Square de que agora é acusado pelo tribunal nova-iorquino. Esta situação trouxe, no entanto, ao conhecimento generalizado algo que, pelos vistos, muita gente já sabia. O homem já teve vários problemas deste género no passado, sempre mais ou menos abafados, atendendo à sua relevância social, política e económica. De tal forma que muitas jornalistas já se recusaram no passado a fazer-lhe entrevistas, com medo de sofrerem ataques sexuais, verbais ou físicos. Das várias questões que esta situação levanta, ressalta desde logo, a incapacidade de algumas pessoas lidarem com o poder, tendendo a abusar dele junto de quem esteja em situação de dependência, seja de que forma for; outra questão é a óbvia falta de isenção da maioria da comunicação social, lembrando aqui o caso de Silvio Berlusconi. Outra questão ainda tem a ver com a visão que a nossa sociedade tem sobre o sexo e o comportamento dos homens e das mulheres e que anda demasiadas vezes ligado à violência por incapacidade de lidar com essa faceta da vida, sabe-se lá por que razões, mais ou menos escondidas. É ainda claro que, para muita gente, se estes homens "gostam de mulheres" obviamente que não gostam de homens, pelo que os seus comportamentos desviantes são automaticamente desculpados com as consequências que se vêem.
Há de facto na nossa sociedade uma desculpabilização da violência associada ao sexo, de que as vítimas são sempre o lado mais frágil, que deveria ser sempre protegido pela sociedade. Choca-me ver políticos ponderados fazerem sorrisos marotos acerca destas atitudes do DSK, bem como a necessidade de se descobrirem teorias da conspiração para o desculpar, até porque estaria bem colocado para ser candidato presidencial em França.
Repito: não sei se DSK é culpado do que agora o acusam. Mas algo sei. E sei de ciência certa que um homem que é acusado sucessivamente de abusar sexualmente de mulheres não pode ser classificado como "gostando de mulheres". Pela simples razão de que não se gosta de quem se abusa e violenta, não respeitando a sua dignidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Maio de 2011
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