segunda-feira, 30 de maio de 2011

ESPERANÇA

Maria Ligeira não se sentia bem. Já há uns meses que tinha aquela sensação algo indefinível na barriga. Resolveu fazer uma consulta a um médico amigo e simpático. Quando vieram os exames, o médico achou por bem não lhe anunciar o verdadeiro mal de que Maria Ligeira sofria. Disse-lhe que era apenas um desconforto que teria a ver com a idade e com o clima e que deveria melhorar com melhores temperaturas e menos chuva. Conviria era tratar do seu amor-próprio, ir-se arranjando e pondo-se bonita, que logo ficaria melhor sem necessidade de tratamentos especiais. Como as melhoras não chegavam, a certa altura Maria Ligeira foi consultar um médico estrangeiro e a desgraçada ficou então a saber que teria que se sujeitar a fazer uma operação muito delicada para retirar o mal terrível que crescia dentro dela. Um outro médico informou-a ainda de que para recuperar completamente, teria que fazer uns tratamentos muito difíceis de aguentar, mas que lhe permitiriam depois ter uma nova vida. O problema é que o antigo médico, que sabia bem dos sacrifícios que ela teria que aguentar lhe dizia agora que não, a operação seria suficiente; que não desse ouvidos a quem a queria apenas fazer sofrer, sem vantagem nenhuma para o futuro. Maria Ligeira foi ainda ouvir a opinião de uns curandeiros que lhe disseram logo que o que os outros queriam todos era explorá-la e que não precisava nem de operação, nem de tratamentos de choque; que se deixasse andar com uns chazinhos naturais que ficaria boa sem mais. Maria Ligeira andava mesmo sem saber o que fazer. De qualquer forma, desconfiou dos curandeiros e deixou-os a falar sozinhos. Ainda assim, entre aquele médico que lhe dizia que a operação chegava e o outro que lhe garantia ser necessário aquele tratamento doloroso para recuperar totalmente e até, eventualmente ainda vir a ter um futuro saudável, hesitava. Na realidade, ninguém gosta de ouvir más notícias. E se de facto o tratamento for desnecessário? Valerá a pena o sacrifício? Pensava e hesitava sobre o caminho a seguir. No fim, apesar de tudo, a Maria Ligeira lá resolveu seguir o caminho difícil, porque o médico que lho propunha lhe parecia mais sensato e responsável e, por outro lado não a tinha levado até àquela situação, só para ser simpático com ela e não lhe dar más notícias.
A Maria Ligeira desta história é apenas uma pessoa normalíssima como eu e o leitor, colocados perante a decisão de escolher o tratamento a seguir pelo país, já no próximo domingo. É de facto difícil tomar algumas decisões na vida, quando já sabemos que nos vão custar muito.
Mas a esperança é a última coisa a morrer, como diz o nosso povo, com a resignação que lhe é tão característica. Ao fim de anos em que tantos indicadores económicos se foram orientando para a situação que temos hoje e que tantos de nós fizemos por ignorar, lá tivemos que pedir o resgate à Comissão Europeia, ao Banco Central Europeu e ao Fundo Monetário Internacional, a famosa "troika". Estes organismos vieram até cá, auscultaram-nos e passaram a receita médica com a frieza que se lhes exigia para evitar a morte imediata, ou seja a bancarrota. Resolveram ainda receitar algumas reformas com o objectivo, não só de consolidarmos as nossas contas públicas, mas também de ganhar competitividade e criar condições para que a economia venha a crescer no futuro. Claro que os chefes lá do hospital de Bruxelas resolveram pôr um preço nos medicamentos que nos colocam nas ruas da amargura durante um par de anos mas lá dizem eles, foram vocês que se portaram mal e não se trataram a tempo.
Quando o leitor for ao centro hospitalar chamado mesa de voto no próximo domingo, não se esqueça da Maria Ligeira. Escolha em liberdade e consciência e tenha esperança no futuro que está nas suas mãos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Maio de 2011

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