Portugal encontra-se hoje numa daquelas situações atípicas que nunca
deveriam suceder, mas a que somos periodicamente sujeitos, normalmente devido a
disparates financeiros cometidos por governantes que não pesam os seus desejos
com as capacidades do país. E, como a História o demonstra, estas situações
trazem normalmente grandes perigos no seu interior.
Em tempos de crise grave como a que atravessamos, só se encontram
verdadeiras saídas em democracia, se o poder constituído aos diversos níveis da
governação do país detiver autoridade que seja reconhecida pela maioria dos
cidadãos.
Há cem anos, Max Weber definiu poder como a possibilidade de alguém obrigar
outro a cumprir a sua própria vontade, mesmo que com resistência, enquanto a
autoridade será a habilidade de levar as pessoas a fazerem de livre vontade a
sua própria vontade, apenas pela sua influência pessoal.
O conceito de autoridade vem dos tempos da República Romana, a chamada
“auctoritas” que de certa forma media o prestígio e a influência dos senadores
romanos, junto dos seus concidadãos. Essa autoridade era conquistada de
diversas formas, incluindo os feitos militares ou a maneira como essas pessoas
tinham servido a República em posições proeminentes. Para existir, essa
autoridade tinha que ser reconhecida pelos outros.
Entre nós é comum queixarmo-nos de “falta de autoridade”, ao mesmo tempo
que se nota um profundo desrespeito pelos responsáveis políticos em geral que,
na minha opinião, tem razões muito mais profundas do que a crise que
atravessamos:
Quando antigos responsáveis políticos de grande projecção são encontrados
em situações ilegais e a Justiça demora eternidades a aplicar o devido castigo;
quando os partidos mantêm em cargos de responsabilidade pessoas que perderam o
respeito dos cidadãos ficando em consequência sem autoridade; quando os
partidos escolhem para listas pessoas por critérios obscuros, deixando de lado
outras com provas mais que dadas; quando para cargos de gestão de
responsabilidade o critério é o amiguismo em vez do currículo pessoal; quando numa
altura em que toda a gente é chamada a sacrifícios pesadíssimos, entidades do
Estado mantêm todas as prerrogativas e mesmo privilégios e benefícios
financeiros insuportáveis; quando entre as funções de Estado e as grandes
empresas há um corredor aberto em permanência entre aquele e estas, é a
autoridade de todo um Estado que se esboroa, sem apelo nem agravo.
Todos conhecemos exemplos de pessoas que, sem deterem qualquer poder
político ou material demonstraram uma grande capacidade de mudar as
circunstâncias em que surgiram. A sua capacidade de liderança e exemplo
atribuíram-lhes uma autoridade reconhecida pelos outros, a tal “auctoritas” dos
romanos.
Estas são pessoas raras. Infelizmente, muito mais frequentes são aquelas
que de uma forma ou doutra, muitas vezes sem saber bem como, adquiriram algum
poder sem possuírem qualquer autoridade. E usam esse poder para impor as suas
vontades ou os seus gostos e mesmo para se vingarem de quem não gostam, por esta
ou aquela razão, mas normalmente por simples inveja, aquela última palavra que
Camões usou para fechar os Lusíadas.
Na realidade, abuso de poder pode ser cometido por acção, tal como está
fixado na Lei, mas também por inacção ou mesmo impedimento de acção. Mas
demonstra sempre falta de autoridade, quando não falta de princípios. E
destruir o que os outros fazem ou fizeram é sempre muito fácil quando se tem
algum poder público e não se percebe que esse poder vem do povo, pelo que se
está ministro ou seja o que for e não se é esse mesmo cargo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Junho de 2012
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