Nas margens do Mar Negro, a pouca distância da Crimeia
que de repente marcou lugar nas primeiras páginas dos jornais de todo o mundo,
situa-se Odessa, “a pérola do mar Negro”. Cidade mítica, que entrou certamente
nas nossas memórias pessoais por algum dos escritores que, ainda que nunca lá
tenham estado, dela fizeram cenário de algum dos seus livros, como Júlio Verne,
Balzac ou Arthur Conan Doyle, ao contrário de outros que por lá passaram como
Leo Tolstoy ou Chekhov ou Pushkin que aí escreveu parte do seu Eugen Oneguin.
Fundada pela Imperatriz russa Catarina a Grande há pouco
mais de duzentos anos, é bem a imagem concentrada das numerosas movimentações
de povos e mesmo exércitos ao longo dos séculos através do território que é
hoje a Ucrânia independente, umas vezes de ocidente para oriente, outras vezes
ano sentido inverso. O antigo forte Turco tornou-se na cidade mais europeia do
mar Negro. Através de promessa de impostos baixos e liberdade religiosa, foi
atraída a gente mais variada que constituiu uma miscelânea impressionante de
Russos, Turcos, Gregos, Arménios, Tártaros, Moldavos, Ucranianos, Búlgaros,
Polacos, Italianos e sabe-se lá quem mais. A nova cidade cresceu em dimensão e
beleza e ganhou uma grande pujança económica, o que originou mesmo o “Mito de
Odessa” que a dava como um lugar mágico onde se ficaria rico apenas por se lá
colocar o pé. O porto de Odessa deu saída à maior exportação de cereais do
mundo durante largas dezenas de anos. Durante todo o século XIX e início do século
XX Odessa atraiu artistas das mais diversas artes, chamados pelo seu
cosmopolitismo, beleza e liberdade.
O século XX tratou Odessa muito mal. A ocupação Nazi durante
quase toda a segunda grande guerra através do exercito romeno levou a uma
perseguição sanguinária da comunidade judaica, provocando o desaparecimento de
mais de um terço da sua população. O regime soviético utilizou a mitologia de
Odessa para promover um turismo interno folclórico de massas que desvirtuou e
retirou a alma à cosmopolita Odessa. A herança do fim da era soviética foi o
domínio de dirigentes clepocratas corruptos que deixaram degradar o rico
património arquitectónico e monumental a um ponto inimaginável. A mítica Odessa
idílica do romantismo dos fins do século XIX desapareceu às mãos das ideologias
e guerras do século XX, restando o porto e seu terminal como único e sem igual,
pelo que está classificado como património mundial pela Unesco.
Os ventos da História sopraram violentamente em todas as
direcções e em todos os sentidos em Odessa, símbolo do que se passou em toda a Ucrânia
encravada entre a Europa e a Ásia, “melting pot” étnico e cultural resultado de
invasões, deportações em massa e também deslocações pacíficas de povos. É por
isso que não faz sentido que alguma das partes que em algum tempo teve um papel
preponderante venha usar isso como argumento para hoje reinvindicar uma
influência própria que não lhe assiste. Deve ser o povo de todo o país, em
liberdade, e sem pressões externas económicas ou militares, a escolher o seu
futuro, ainda que tal custe a vizinhos poderosos que acalentam velhos sonhos de
poder imperial.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 Março 2013
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 Março 2013
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