Eu sei que não parece, mas convém lembrar que no passado dia 25 de Maio
houve eleições europeias, isto é, para o Parlamento Europeu. Por isso é muito
importante perceber as consequências dos resultados deste acto eleitoral para o
futuro da União Europeia a que pertencemos, já que se reflectirá
necessariamente no nosso próprio futuro.
Claro que as eleições europeias têm também uma importância política
nacional em todos os países e isso está bem à vista nas repercussões que os
resultados nacionais tiveram e estão a ter na nossa vida política. As
perspectivas que as sucessivas sondagens foram criando e a subida da parada por
parte de alguns chocaram de frente com os resultados concretos. Por isso mesmo
o líder do partido Socialista foi de imediato confrontado com um desafio
interno à sua liderança; percepcionou-se que a votação obtida foi resultado das
suas próprias opções estratégicas para estas eleições, claramente mal acolhidas
pelo eleitorado, ainda por cima ao fim de três anos de uma austeridade
fortíssima levada a cabo pelo Governo na aplicação do PAEF assinado com a
troika. Pelo seu lado, o Governo viu a coligação que o suporta ter uma votação
abaixo dos 20%, resultado fraco que nem a reduzida margem face ao principal
partido da oposição consegue fazer apagar. O Bloco de Esquerda reduziu a sua
representação europeia em 2/3, elegendo apenas Catarina Martins, enquanto o
Partido da Terra com Marinho Pinto como bandeira elegeu dois deputados de uma
assentada, surpreendendo tudo e todos. O PCP, mais uma vez através da sua já
clássica coligação conseguiu, certamente pela sua linguagem anti EU e anti
Euro, absorver descontentamento e aumentar a sua representação no PE em um
deputado. Não valerá muito a pena analisar transferências de votos entre
formações partidárias, que servem sempre para justificar isto e o seu
contrário. Importante é relevar a elevada abstenção de cerca de 2/3 do
eleitorado. Seja para marcar uma posição “contra o sistema”, seja por
alheamento face às questões europeias, este é um nº verdadeiramente
significativo.
Mas eleições europeias merecem sobretudo uma análise a nível europeu. A
maior alteração verificada na distribuição dos lugares no Parlamento Europeu
consistiu numa diminuição do total de deputados dos grupos claramente
pró-europeus que são o PPE (Partido Popular Europeu), S&D (Socialistas e
Democratas), ALDE (Liberais) e Greens (Verdes) cuja percentagem em bloco desceu
de 79% para 69%. Como se verifica, apesar de importante como eventual tendência
para futuro, a mudança não está perto sequer de significar uma alteração
profunda da situação, até porque os chamados euro-cépticos estão fraccionados numa
série de pequenos agrupamentos com pouco ou mesmo nada de comum entre si além
de serem contra a UE e o Euro. Claro que, apesar de reduzida dimensão europeia,
esses agrupamentos incluem partidos nacionais que falam muito alto e fazem
muito barulho como a Frente Nacional francesa, os gregos Syrisa (esquerdista) e
Golden Dawn (neo-Nazi), o britânico UKIP ou o dinamarquês DPP. As expressivas
votações obtidas por estes partidos constituem assim, mais um problema nacional
para cada um dos seus países do que propriamente um problema europeu, embora
seja previsível que as percentagens que agora alcançaram se devam em grande
parte à elevada abstenção generalizada destas eleições. De qualquer forma,
houve seis países em que a votação nos euro-cépticos foi muito relevante, isto
é, entre os 20% e os 40%: Grécia, Grã-Bretanha, Itália, Dinamarca, França e
Áustria.
Deve ser salientado que a tentativa de transformar estas eleições para o
Parlamento Europeu numa espécie de eleição do futuro Presidente da Comissão
como se fosse um primeiro-ministro falhou redondamente. A indicação de Jean
Claude Juncker como futuro presidente da Comissão por parte do Partido Popular
Europeu encalhou na oposição frontal do primeiro ministro britânico David
Cameron e a própria chanceler alemã Ângela Merkel não garante o seu apoio ao
luxemburguês.
Entre as competências do Parlamento Europeu não está a escolha da Comissão,
mas pode de facto reprovar os nomes que o Conselho apresentar. E o Tratado de
Lisboa obriga, pela primeira vez, a que a escolha do Conselho tenha em conta os
resultados das eleições. Para bem de todos nós, façamos votos para que, ao
menos desta vez, os responsáveis europeus tenham bem em conta os resultados
destas eleições e correspondam aos sinais enviados pelos cidadãos europeus.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Junho de 2014
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