segunda-feira, 23 de junho de 2014

O desporto é rei?



O futebol bem jogado, como se tem visto nessa “Copa do Mundo” a decorrer no Brasil, é capaz de nos prender ao televisor e vibrar com as capacidades atléticas, técnicas e até por vezes artísticas dos jogadores que se entregam totalmente ao objectivo de levar a sua equipa à vitória.
O fenómeno futebol é hoje em dia, muito mais que um desporto. Claro que, no campo de jogo, são os jogadores que conseguem as vitórias, ou perdem os jogos. Mas os próprios jogadores são parte de uma máquina impressionante, montada para proporcionar grandes espectáculos desportivos, mas também um negócio à escala global, neste caso organizado pela Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA). As federações internacionais de futebol, quer a FIFA quer a sua congénere europeia (UEFA) vão garantindo que, de dois em dois anos, o futebol enche as televisões com o seu espectáculo para entusiasmo de milhões de pessoas que, haja ou não crise ou austeridade, garantem o sucesso desses acontecimentos.
 E vão igualmente de país em país enchendo a paisagem mundial com verdadeiras catedrais dedicadas a uma nova religião, que são os estádios de futebol. Mesmo sabendo que vão gastar fortunas a construir essas estruturas desportivas que irão na sua maioria ficar como gigantescas inutilidades acabados que sejam esses campeonatos, os países atropelam-se para ser escolhidos como organizadores dos campeonatos a que chegam a chamar desígnios nacionais.
Como todos nos apercebemos com facilidade, o futebol desempenha hoje um papel nas sociedades que ultrapassa largamente o desporto.
Entre os clubes de um determinado país, por exemplo o nosso, as relações caracterizam-se por um sectarismo e uma animosidade ou mesmo violência que todos os domingos produzem aqueles lamentáveis espectáculos das forças especiais de segurança a acompanharem as claques organizadas até aos estádios. Já os campeonatos entre selecções nacionais constituem momentos de catarse colectiva através da evocação de um suposto patriotismo que justificaria tudo à volta das selecções. Como se o nosso futuro colectivo dependesse de alguma forma do joelho de Cristiano Ronaldo ou das cabeçadas de Pepe. Como se fora um exército que nos defenderia dos mais perigosos invasores, a comunicação social entra no jogo da suprema manipulação e é assim que, durante semanas acompanhámos as refeições dos jogadores, desde os pequenos-almoços ao jantar, bem como os quartos onde dormem.
No fim, tudo se resume a jogos de futebol entre 4 linhas, com duas equipas e um árbitro. E, como já acima escrevi, é muitas vezes entusiasmante ver futebol bem jogado e é normal que todos gostemos que a nossa selecção obtenha os melhores resultados. Tal como acontece com o basquetebol, com o ténis, o ciclismo, atletismo, natação ou hóquei em patins. Mas nada no futebol justifica que países se endividem, que federações reconhecidamente corruptas passeiem o seu poderio pelo mundo da forma mais impune, ou que a comunicação social participe entusiasmada nesta enorme manipulação à escala global.
Não esquecendo a perniciosa influência que a meu ver o futebol tem vindo a ter na organização social e política. Os campeonatos de futebol têm um início e um fim com um vencedor, após o que se troca de jogadores e treinadores e no campeonato seguinte tudo recomeça e todas as esperanças são de novo possíveis. Na política não pode ser assim, um país e uma sociedade não começam do zero após umas eleições, tem que haver uma continuidade no sentido da melhoria das condições de vida para as comunidades actual e futura, de forma sustentável. E, infelizmente, há muitas pessoas que andam pela política e que encaram as eleições de uma forma quase lúdica, para sua satisfação pessoal, sem a mínima preocupação com as pessoas afectadas irremediavelmente pelas suas atitudes e quase sempre com a companhia deliciada de grande parte da comunicação social.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Junho de 2013

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