O futebol bem jogado, como se tem visto nessa “Copa do Mundo” a decorrer no
Brasil, é capaz de nos prender ao televisor e vibrar com as capacidades
atléticas, técnicas e até por vezes artísticas dos jogadores que se entregam
totalmente ao objectivo de levar a sua equipa à vitória.
O fenómeno futebol é hoje em dia, muito mais que um desporto. Claro que, no
campo de jogo, são os jogadores que conseguem as vitórias, ou perdem os jogos.
Mas os próprios jogadores são parte de uma máquina impressionante, montada para
proporcionar grandes espectáculos desportivos, mas também um negócio à escala
global, neste caso organizado pela Federação Internacional de Futebol Associado
(FIFA). As federações internacionais de futebol, quer a FIFA quer a sua
congénere europeia (UEFA) vão garantindo que, de dois em dois anos, o futebol
enche as televisões com o seu espectáculo para entusiasmo de milhões de pessoas
que, haja ou não crise ou austeridade, garantem o sucesso desses
acontecimentos.
E vão igualmente de país em país enchendo a paisagem mundial
com verdadeiras catedrais dedicadas a uma nova religião, que são os estádios de
futebol. Mesmo sabendo que vão gastar fortunas a construir essas estruturas
desportivas que irão na sua maioria ficar como gigantescas inutilidades
acabados que sejam esses campeonatos, os países atropelam-se para ser
escolhidos como organizadores dos campeonatos a que chegam a chamar desígnios
nacionais.
Como todos nos apercebemos com facilidade, o futebol desempenha hoje um
papel nas sociedades que ultrapassa largamente o desporto.
Entre os clubes de
um determinado país, por exemplo o nosso, as relações caracterizam-se por um
sectarismo e uma animosidade ou mesmo violência que todos os domingos produzem
aqueles lamentáveis espectáculos das forças especiais de segurança a
acompanharem as claques organizadas até aos estádios. Já os campeonatos entre
selecções nacionais constituem momentos de catarse colectiva através da
evocação de um suposto patriotismo que justificaria tudo à volta das selecções.
Como se o nosso futuro colectivo dependesse de alguma forma do joelho de
Cristiano Ronaldo ou das cabeçadas de Pepe. Como se fora um exército que nos
defenderia dos mais perigosos invasores, a comunicação social entra no jogo da suprema
manipulação e é assim que, durante semanas acompanhámos as refeições dos
jogadores, desde os pequenos-almoços ao jantar, bem como os quartos onde dormem.
No fim, tudo se resume a jogos de futebol entre 4 linhas, com duas equipas
e um árbitro. E, como já acima escrevi, é muitas vezes entusiasmante ver
futebol bem jogado e é normal que todos gostemos que a nossa selecção obtenha
os melhores resultados. Tal como acontece com o basquetebol, com o ténis, o ciclismo,
atletismo, natação ou hóquei em patins. Mas nada no futebol justifica que
países se endividem, que federações reconhecidamente corruptas passeiem o seu
poderio pelo mundo da forma mais impune, ou que a comunicação social participe
entusiasmada nesta enorme manipulação à escala global.
Não esquecendo a perniciosa influência que a meu ver o futebol tem vindo a
ter na organização social e política. Os campeonatos de futebol têm um início e
um fim com um vencedor, após o que se troca de jogadores e treinadores e no
campeonato seguinte tudo recomeça e todas as esperanças são de novo possíveis. Na
política não pode ser assim, um país e uma sociedade não começam do zero após
umas eleições, tem que haver uma continuidade no sentido da melhoria das
condições de vida para as comunidades actual e futura, de forma sustentável. E,
infelizmente, há muitas pessoas que andam pela política e que encaram as
eleições de uma forma quase lúdica, para sua satisfação pessoal, sem a mínima
preocupação com as pessoas afectadas irremediavelmente pelas suas atitudes e
quase sempre com a companhia deliciada de grande parte da comunicação social.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Junho de 2013
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