Vindo
dos confins do sistema solar, da cintura Kuiper situada para lá da órbita de
Neptuno onde tem por companhia habitual inúmeros objectos gelados, o cometa
Churyumov-Gerasimenko aproxima-se de novo do Sol, como acontece regularmente
cada seis anos e meio. Neste momento, viaja a 55 mil quilómetros por hora,
algures entre as órbitas de Marte e Júpiter. O cometa deve o seu nome a dois
astrónomos ucranianos que trabalhavam no Instituto Astrofísico de Alma-Ata no
Casaquistão em 1969: Svetlana Gerasimenko que que tirou a fotografia em que ele
surgia e o seu colega Klim Churyumov que fez a identificação.
Mas,
desta vez, o cometa também conhecido como 67P não viaja sózinho. Desde a
passada quarta-feira, dia 12 de Novembro de 2014, um pequeno robô chamado
Philae está pousado na sua superfície, que analisou a sua constituição e enviou
esses dados para a Terra para estudo posterior. O Philae foi lançado para a
superfície do cometa pela sonda Rosetta que se juntou ao 67P em Agosto passado,
acompanhando-o na sua órbita a uma distância de apenas noventa e poucos
quilómetros.
Curiosamente,
os nomes dados às duas sondas remetem para o antigo Egipto. Rosetta era o nome
da pedra descoberta durante a expedição francesa ao Egipto e que permitiu a
Champollion decifrar a escrita egípcia em 1822, dado que nela estava inscrito o
mesmo texto em três linguas diferentes: o grego, o egípcio antigo e o egípcio
tardio. Philae é o nome de uma ilha no rio Nilo onde foi descoberto um obelisco
que, juntamente com a pedra de Rosetta, possibilitou decifrar a antiga língua
do Egipto.
Para
que a sonda Rosetta encontrasse o 67P no vazio do espaço sideral, no fim de uma
longa perseguição, muita coisa se passou. A expedição foi aprovada pela Agência Espacial
Europeia em 1993 e o lançamento foi feito em Março de 2004 há, portanto, dez
anos. Neste período de tempo, a sonda Rosetta viajou pelo sistema solar, tendo
passado pela Terra por três vezes e por Marte uma vez, aproveitando a gravidade
deste planetas para impulsionar a sua velocidade até à necessária para
acompanhar o cometa e entrar na sua órbita em Agosto passado, depois de ter
percorrido 6,4 mil milhões de quilómetros.
Investigar
directamente um cometa é de uma importância crucial para se conhecer melhor a
História do Universo. De facto, considera-se normalmente que a sua formação
data do início do surgimento do sistema solar, estando a matéria que os
constitui preservada, dado que passam a maior parte do tempo muito longe do Sol.
Por exemplo, o cometa 67P só em cerca de seis em seis anos se aproxima do Sol,
passando ainda assim bastante longe dele, entre as órbitas da Terra e de Marte
durante apenas alguns meses, regressando depois para as profundezas geladas da
cintura de Kuiper. Poderá ainda dar informações sobre a própria vida na Terra,
dado que se pensa que cometas possam ter trazido água, gelo e mesmo matéria
orgânica para o nosso planeta.
O
robô Philae tem baterias que duraram 64 horas, período de tempo que os cientistas
aproveitaram para recolher a maior informação possível. O facto de Philae não
ter “aterrado” no cometa como desejado pode ter limitado a informação que
conseguiu obter, mas não retira qualquer mérito ao sucesso da missão.
A sonda
Rosetta vai orbitar o 67P até Dezembro de 2015,continuando a enviar informação,
altura em que se separará do cometa, terminando a sua missão. Estão tão longe
da Terra que, mesmo à velocidade da luz, a transmissão demora cerca de 30
minutos a chegar até nós.
Em
tempos de preponderância de notícias desagradáveis, este acontecimento sabe
bem. Para toda a Humanidade, significa mais um passo no conhecimento do
Universo e do que somos. Depois, é motivo de orgulho para os europeus que
ultimamente têm tido razões para insatisfação generalizada. E para um cidadão
vulgar, é certamente motivo da maior admiração pelo feitos conseguidos. Planear
uma missão altamente sofisticada e a longo prazo, financiá-la e mantê-la
operacional durante todo este tempo é um feito memorável. Como notável é a capacidade
científica para atirar uma sonda para o espaço, levá-la a passar perto de
planetas para lhe dar a velocidade necessária, adormecê-la enquanto corre a uma
velocidade louca pelo Espaço e encontar-se com toda a precisão com um pequeno
objecto com uma dimensão reduzida de 5 por 3 km que voa também a uma velocidade
estonteante..
Um
juiz de uma causa horrível respondeu uma vez quando lhe perguntaram por que
achava que a Humanidade valia a pena, dizendo que tinha lido o Diário de Ann
Frank. Este feito da Europa para toda a Humanidade é também a prova de que
continua a valer a pena acreditar no Homem.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Novembro de 2014
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