segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O regresso dos fanatismos



A evolução económica, social e essencialmente cultural do chamado ocidente levou a que muitas das posições que ao longo da História eram consideradas normais e aceitáveis sejam hoje consideradas como fundamentalistas. 

E ainda bem! De facto só se pode considerar como avanço civilizacional a capacidade de olhar para os textos religiosos, políticos ou outros como produto da inteligência, imaginação ou mesmo humildade de Homens e Mulheres ao longo dos tempos. E respeitar todos os seres humanos como iguais em direitos.
Embora diminuta perante a idade da Terra ou do Universo, a História da Humanidade tem já algumas dezenas de milhares de anos, em que obrigatoriamente se contam momentos bons e maus ou mesmo muito maus. Estes últimos correspondem normalmente a dominações violentas de partes da humanidade por outras que se acham superiores de alguma maneira. Olhando para a evolução civilizacional é possível verificar que nas últimas centenas de anos experimentou uma aceleração nunca antes vista. Há cerca de mil anos, a razão maior da violência entre povos europeus era uma, a religião. À conquista de grande parte da europa mediterrânica pelos muçulmanos em nome do Islão, seguiu-se o levantamento pelos povos cristãos conquistados que lentamente foram expulsando os islamitas, o que veio a suceder em definitivo na Península Ibérica apenas no século XV. 
Os tempos de confronto violento contra “o outro” são sempre terreno fértil para o fundamentalismo que facilita os processos mentais que levam à violência, pelo que esses foram tempos de fanatismos extremos e guerras de violência inaudita.
Passados esses tempos, manteve-se o fundamentalismo religioso que, entre nós, ganhou a expressão máxima na Inquisição que, para nossa vergonha, só veio a terminar no início do século XIX, há duzentos anos.
Na transição do século XVIII para o século XIX o Ocidente conheceu um dos momentos de maiores implicações filosóficas e culturais da História, a Revolução Francesa. Apesar dos seus grandes objectivos proclamados, a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade, acabou por desaguar numa violência fanática extrema, cujo símbolo maior é a guilhotina, inventada para maior eficácia no castigo generalizado para os chamados inimigos da Revolução. O próprio Robespierre, “o incorruptível”, acabou por em 1794 ser vítima da solução final que utilizara para tantos milhares de oponentes, acabando também guilhotinado.

Na sequência da Revolução Francesa o fundamentalismo religioso no ocidente foi diminuindo gradualmente até praticamente desaparecer. Claro que existem sempre margens ocupadas por aqueles para quem o sentimento religioso deve enformar todos os aspectos da vida, o que facilmente desemboca no fundamentalismo, mas são minorias sem expressão social.
O fanatismo político veio a atingir o seu pico trágico ainda durante o Século XX. Após o fim da Segunda Grande Guerra, o mundo e em particular o ocidente, conheceu décadas de prosperidade que acompanharam uma diminuição notória dos fundamentalismos. Quando se pensaria que esta evolução estaria bem sustentada eis que, poucas décadas após o fim da guerra fria que manteve boa parte do mundo em alerta, voltam os extremismos fundamentalistas como se tivessem estado apenas adormecidos.
O ressurgimento espantoso do fundamentalismo religioso islâmico, que se manifesta, não só no médio oriente de forma extrema com o chamado “estado Islâmico”, mas também em África na Nigéria e na Ásia na Indonésia. 

Este fanatismo coloca em causa toda uma construção civilizacional que se pensava estável e adquirida, como sejam os direitos do Homem, os direitos da Criança e até mesmo desaparecimento da escravatura. Nos mais diversos países da Europa ressurgem em força os partidos extremistas que defendem a xenofobia, o racismo e atacam as minorias deprotegidas.
Pouco está nas nossas mãos fazer como cidadãos individuais, para além de adoptar uma intransigência absoluta relativamente aos fundamentalistas, venham de onde vierem. Cá por mim não esqueço a máxima de um velho amigo: admito tudo, fanáticos é que não!
 Publicado originamente no Diário de Coimbra em 100 de Novembro de 2014

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