Nos
dias que correm, um cronista que deseje comentar os choques do quotidiano, só
tem um problema: a escolha do tema. Para referir apenas as últimas semanas,
entraram na nossa vida em todo o explendor os problemas da PT,do Espírito
Santo, dos Vistos Dourados, das “Secretas” e, qual cereja em cima do bolo, o espectáculo
deprimente da detenção do anterior primeiro-ministro na sequência de
investigações judiciais relacionadas com a comezinha corrupção. Realmente, os
portugueses não têm possibilidade de sossegar o espírito, pouco espaço restando
para imaginar o que aí virá ainda. Como pano de fundo de tudo isto, uma clara
degradação ética de supostas elites, associada a uma ganância obscena por poder
e dinheiro.
Felizmente,
uma das maiores preocupações que nos afligiu nos últimos dias teve na sexta
feira passada o seu epílogo. O ministro da Saúde declarou extinto o surto da
“Doença dos Legionários” que teve início em 7 de Novembro, tendo-se registado
336 casos e dez mortes.
A
“doença dos legionários” deve o seu nome ao primeiro surto conhecido que
ocorreu em 1976 durante uma convenção de legionários americanos num Hotel em
Filadélfia que originou a morte de 34 pessoas. Veio a provar-se que a bactéria
na origem deste tipo de pneumonia estava alojada nos chillers do sistema de ar
condicionado do Hotel, daí o seu nome “legionella”.
A
ciência coloca hoje as bactérias como estando na origem da vida na Terra tal
como a conhecemos. Durante uns dois milhões de anos terão sido mesmo a única
forma de vida na Terra. A determinada altura, um tipo de bactérias, as
cianobactérias, começaram a viver do hidrogénio que retiravam das moléculas de
água que existia em grande quantidade tendo como resultado a produção de
oxigénio; fizeram-no em tal quantidade durante esses milhões de anos, que
criaram condições para o surgimento e desenvolvimento das formas de vida que,
como nós, dependem do oxigénio para viver. Continuamos dependentes das
bactérias, que o nosso corpo carrega permanentemente uns cem mil biliões delas
que nos ajudam a fazer praticamente tudo para viver. Algumas das bactérias que
entram no nosso organismo podem, no entanto, ser muito perigosas. É o caso da
legionella. Como se desenvolve em determinados ambientes como sistemas de
armazenamento e água e, fundamentalmente, sistemas de ar condicionado de
dimensão razoável, é necessário um controlo ambiental apertado sobre o seu
surgimento.
De
vez em quando, com condições climatéricas favoráveis e falta de controlo
permanente, surgem surtos. Foi este o caso recente em Vila Franca de Xira, com
as torres de arrefecimento de água de uma fábrica a lançarem partículas
minúsculas de água para a atmosfera que o vento se encarregou de transportar e
espalhar. Toda a população da área ficou exposta apenas por respirar e surgiu o
surto de legionella com as consequências que se sabem. É evidente que a empresa
proprietária da fábrica que esteve na sua origem vai ser objecto de acção
judicial para determinar responsabilidades, havendo igualmente lugar a indemnizações
que, como é natural, não pagarão nunca as mortes que se verificaram. E deverão
igualmente ser tiradas consequências legislativas que venham a impedir, o mais
possível, casos semelhantes no futuro.
Mas
este surto veio mostrar que algumas coisas funcionam bem em Portugal. Este
surto foi combatido por diversas entidades oficiais de mais que um ministério,
sob a coordenação do ministro da Saúde. Houve eficácia na montagem de um
complexo e grande dispositivo de saúde para acolher e tratar um número invulgar
de doentes em graves condições de saúde, num ambiente sanitário difícil. As
equipas de recolha de amostras e o Instituto Ricardo Jorge que as analisou
trabalharam em grande velocidade e com competência para, através de eliminação
de dezenas de suspeitas, identificarem com grau grande de certeza qual a fonte
do surto, permitindo a sua eliminação.
Por
fim, e não menos importante, foi montado um plano eficaz de comunicação que,
mostrando competência, transparência e verdade, criou confiança nas populações
mais directamente atingidas, factor crucial para o sucesso. Tantas coisas têm
corrido mal em Portugal nos últimos tempos que, quando algo que à partida tem
grandes hipóteses de correr mal acaba por correr bem, só nos podemos dar por
satisfeitos e louvar publicamente os responsáveis por isso.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Novembro de 2014
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