Na
semana passada o presidente Putin fez o seu tradicional discurso do Estado da
Nação. Como já é hábito com Putin, a cenografia do discurso remete para os dias
gloriosos do poder “czarista”, com a sua entrada triunfal no salão do Kremlin,
enquanto as enormes portas douradas são abertas pelos guardas em farda de gala.
Mas a mensagem não foi tão brilhante como o ouro do salão.
A
Rússia não é um país qualquer. É um país enorme, o maior extenso do mundo, com
parte dentro dos limites da Europa., mas que se estende até aos confins da
Ásia, com costa para o Pacífico. Ao longo da História, tem tido momentos de
aproximação à Europa, mas também tempos de afastamento e mesmo de
ensimesmamento isolacionista.
Viveu quase todo o século XX em regime comunista,
tendo-se depois da Segunda Guerra Mundial transformado no centro de um
autêntico império que esteve sempre em conflito latente com o resto da Europa. Provavelmente
devido à duração do regime comunista, muitos ainda olham para a actual Rússia
com uma perspectiva infuenciada por esses tempos, seja com evidente carinho nostálgico,
seja com indisfarçável irritação epidérmica. Nada de mais errado. Esses tempos
acabaram e a Rússia tenta ainda encontrar o seu lugar no concerto das nações.
A
economia russa tem sofrido bastante por causa das sanções ocidentais causadas
pelo aventureirismo territorial de Putin. A ocupação da Crimeia foi considerada
ilegal por quase todos os países do mundo. Com grande sentido de responsabilidade,
os países europeus colocaram de lado a hipótese de resposta militar à acção do
exército russo, mas responderam com um aviso forte através das sanções, que se
estima custarem por ano 40 mil milhões de dólares à Rússia. A recente evolução
do preço internacional do petróleo, veio piorar a situação da economia russa,
dado que mais de dois terços das exportações russas vêm da energia. Relembra-se
que no início deste ano o preço do crude andava pelos $110, é actualmente
inferior a $80 e há quem preveja que a descida possa atingir rapidamente os $60
ou ainda menos. O reflexo actual na economia russa é de uma perda de 100 mil
milhões de dólares anuais, estando o rublo a sofrer a maior queda desde 1998,
tendo caido 30% desde o início do ano. Estima-se que o preço do crude que
impede a economia russa de entrar em recessão é de 90 dólares por barril. Numa
situação “normal” as gigantescas reservas de dinheiro poderiam, em princípio,
aguentar os valores baixos do crude durante uns dois anos, mas as aventuras
militaristas de Putin associadas a um acréscimo de despesas militares de 30%
desde 2008 também não ajudam nada.
A
recepção desagradável, para dizer o mínimo, que Putin teve na cimeira do G20
realizada em Novembro na Austrália veio mostrar-lhe que, ou muda de atitude
relativamente ao respeito pela soberania dos países vizinhos, ou não pode
contar com uma melhoria nas relações económicas com o ocidente. A desistência
da construção do pipeline “South Stream” é um enorme revés para a estratégia
energética da Rússia. O “South Stream” foi projectado há quase dez anos e
permitiria o fornecimento de gás até ao norte de Itália e restante Europa,
evitando a actual passagem pela Ucrânia. Mas o seu custo gigantesco teria que
ser partilhado, além da russa Gazprom, pela italiana Eni, pela francesa
Electricité de France e pela alemã Wintershall que, face á política de preços
da Gazprom que deteria 51% do gasoduto, entenderam ser mais seguro não ficarem
na sua dependência e desistiram do projecto.
No
seu discurso do Estado da Nação, o presidente Putin declarou que ninguém pode
ter superioridade militar face à Rússia. Como já vem sendo hábito em
determinados governantes, atirou-se também aos mercados. Claro que o
recurso à cartada nacionalista significa quase sempre que um regime político,
ou no mínimo a sua liderança, está perante graves dificuldades.
Putin conhece os
problemas russos como ninguém. Ascendeu ao poder depois da bancarrota russa de
1998, foi presidente dois mandatos sucessivos, fez-se substituir por um homem
de mão durante um mandato e regressou depois disso à presidência, o que prova a
sua determinação. O petróleo e o gás têm financiado todos os programas sociais que
lhe garantem apoio popular, mas também o domínio do Kremlin sobre a economia,
dado que transmite as receitas às empresas escolhidas através dos bancos
estatais.
A situação actual
não é brilhante e estará a piorar. Mas o ocidente tem que perceber que depois
de Putin a Rússia continuará e haverá toda a vantagem, em respeito pela sua
própria vontade, em ter como aliado o grande país que é a Rússia.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Dezembro de 2014
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