O desenvolvimento
das sociedades associado ao crescimento económico trouxe necessidades de
conforto que a globalização se encarregou de espalhar pelo mundo. Esse
desenvolvimento tem uma base essencial sem a qual seria impossível, a energia
que faz as fábricas trabalhar, os meios de transporte movimentarem-se, as
cidades terem iluminação, as nossas casas, escolas, hospitais e escritórios
terem aquecimento e,não menos importante nos dias de hoje, as telecomunicações
e internet funcionarem.
O leitor já se
deve ter apercebido que, nas últimas semanas, de cada vez que vai à estação de
serviço abastecer-se de combustível, o preço está normalmente mais baixo. A
descida do custo do combustível que metemos nos nossos automóveis deve-se a que
o preço do crude desceu mais de 40% nos últimos seis meses. No início do Verão
andava pelos 110 dólares por barril, sendo agora inferior a 70, prevendo-se que
desça ainda mais.
O amortecimento
da actividade económica mundial será uma das razões dessa descida, por via da
queda da procura, mas não é a única. De facto, a alteração essencial no
comércio mundial do petróleo consiste no facto de os Estados Unidos da América
praticamente terem deixado de comprar petróleo, sendo agora auto suficientes
nessa matéria. A exploração do petróleo pela tecnologia “fracking”, embora
praticada há décadas, sofreu um incremento nos últimos anos aproximando-se os
seus custos, antes muito altos, dos custos da exploração clássica dos poços de
petróleo. A eficiência na utilização da energia é também hoje muito maior,
reduzindo a procura do petróleo.
Mas outro facto
importante se deu nas últimas semanas. Na reunião da OPEC que controla 40% da
produção mundial do petróleo realizada em 27 de Novembro passado, a Arábia
Saudita decidiu manter os níveis de fornecimento, ajudando à descida do preço.
Os motivos, como é evidente, não se devem a um espírito natalício. A Arábia
Saudita está literalmente em cima de petróleo, pelo que o seu custo de
exploração é aí muito baixo. Diz-se que pode descer até aos 5 ou 6 dólares por
barril, que ainda ganham dinheiro. Aliás, ninguém no mundo percebe bem porque é
que nos últimos anos o preço do crude tem andado pelos $100, custo
completamente injustificado.
Ao proceder
assim, a Arábia Saudita aperta as margens de lucro dos produtores americanos do
Texas, que aguentam bem uma descida até aos $45/50, embora as empresas de
“fracking” comecem a ter dificuldades à volta dos $60. Claro que os custos dos
produtores americanos estão inflacionados pelas facilidades de venda a preços
altíssimos dos últimos anos e é-lhes possível ter ainda grandes ganhos de
eficiência e encarar uma manutenção de preços um pouco inferiores a $60 durante
muito tempo.
Quem sofre mais
com a situação são os países que fizeram as suas economias depender quase em
exclusivo das exportações de produtos petrolíferos. Neste caso estão a
Venezuela, a Nigéria, o Irão e a Rússia. Entre eles estão dois países que são,
digamos, pouco amigos da Arábia Saudita e que são a Rússia e o Irão, pelo que
as consequências da situação para estes dois países serão bem-vindas para os
sauditas. Mas, ao contrário do que alguns comentadores acharão nas suas teorias
da conspiração, a guerra comercial é mesmo entre os sauditas e os produtores de
“fracking” americanos que podem ser postos fora da corrida.
Há, de facto, uma
guerra económica global a decorrer por causa da energia, que em muitos aspectos
se assemelha à guerra fria de metade do século passado. Nessa altura, a corrida
aos armamentos nucleares das duas superpotências garantiu, pelo absurdo, o
equilíbrio mundial. Nesta guerra actual pelo domínio do fornecimento da
energia, não se percebe ainda bem o que está verdadeiramente em causa. Mas há
quem esteja em risco de perder muito e com medo de um futuro insignificante,
pelo que a passagem para o armamento clássico é cada vez mais uma hipótese a
considerar, o que será perigoso para o mundo inteiro e, em particular, para a
Europa.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Dezembro de 2014
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