Em 1965 foi publicado nos EUA um livro da autoria de
Ralph Nader, com o título “Unsafe at any speed” – “Inseguro a qualquer
velocidade”. Embora tivesse ficado para a história como tendo sido a causa do
fim da produção de um modelo concreto, o “Corvair”, o livro punha em causa
muitas opções da indústria automóvel de então, em particular a resistência em
adoptar sistemas de segurança para os passageiros como os cintos de segurança,
bem como a continuação de utilização de sistemas tecnológicos inseguros, como
as suspensões, a direcção e travões, para além de designs exteriores perigosos
para os peões em caso de atropelamento. Foi um grito de alerta, muito mal
recebido pela industria automóvel, mas o certo é que depois disso houve uma
evolução drástica nessa indústria, bem como na acção de associações de
consumidores e na exigência dos próprios automobilistas. Hoje em dia, os
automóveis só por terem uma carroçaria e quatro rodas se parecem com os daquele
tempo. A própria indústria automóvel puxou pela investigação e desenvolvimento
de sistemas activos e passivos que tornam os automóveis de hoje
incomparavelmente mais seguros para todos os utentes da via pública.
Por sua vez, os choques de petróleo da década de setenta
e a consciência ecológica crescente levaram a um aprofundamento do conhecimento
do funcionamento dos motores de combustão para a melhoria da sua eficiência,
com vista a diminuir o consumo de combustível e a emissão de gases de escape,
principalmente dióxido de carbono.
Da indústria automóvel do mundo inteiro, houve um
país que se destacou nas últimas dezenas de anos pela qualidade dos seus
produtos, que é a Alemanha. Os automóveis alemães, em particular das três
marcas premium, a Mercedes, a BMW e a Audi, alcançaram um patamar de prestígio
pela robustez das suas mecânicas, qualidade geral de construção que se traduz
numa grande fiabilidade, pioneirismo na introdução de sistemas activos de
segurança e mesmo design exterior que os tornaram no modelo a seguir pela indústria
automóvel de todo o mundo e objectos de desejo dos consumidores.
Em particular, o desenvolvimento tecnológico dos
motores diesel fabricados na Alemanha, acabou com a imagem barulhenta, pouco
potente, suja e poluente que tinham há alguns anos. Hoje em dia, é mesmo o
desenvolvimento tecnológico dos motores diesel, que se sobrepõem mesmo aos
motores a gasolina em termos de potência e velocidade, que faz frente a um
surgimento mais em força dos motores eléctricos. A eficiência dos motores a gasóleo
tem subido enormemente, sendo evidente que ainda podem tirar muito mais força
motriz da energia do combustível que gastam, pelo que o seu futuro é ainda
promissor.
No entanto, um acontecimento veio nos últimos dias
abanar a indústria automóvel de uma forma só comparável ao sucedido na década
de sessenta com o livro de Nader. A Volkswagen, que é actualmente o maior
fabricante automóvel do mundo, está no centro de um furacão com consequências
ainda difíceis de calcular. Depois de ter sido alvo de uma denúncia, por parte
da agência de protecção ambiental americana (EPA), de que milhões dos seus
automóveis possuíam um dispositivo que permitia enganar as medições da emissão
de gases de escape, a Volkswagen reconheceu o facto, boa parte da sua
administração demitiu-se, o seu valor bolsista caiu em mais de trinta por
centro, arrastando muitos investidores na queda e as multas que vai pagar são
gigantescas.
A protecção ambiental leva a que os impostos sobre
os automóveis tenham uma forte componente ambiental. Em Portugal, por exemplo,
quer o imposto único de circulação (IUC), quer o imposto sobre os veículos
automóveis (ISV) têm essa componente, calculada a partir das emissões
declaradas de CO2. Se os construtores automóveis declaram um valor e depois
quando circulam na estrada poluem trinta ou quarenta por cento mais, há
consequências ambientais evidentes, mas também prejuízo fiscal para o Estado,
para além de engano deliberado dos consumidores.
Existe ainda outro prejuízo impossível de calcular a
curto prazo. A Volkswagen é alemã e detentora de várias outras marcas como a
Skoda, a Seat e a Audi, estando esta última claramente entre as melhores marcas
do mundo, para além da própria Porsche pertencer ao mesmo grupo. A confiança,
particularmente na indústria automóvel, constrói-se de forma árdua e contínua
ao longo de muitos anos, pelo rigor e exigência de qualidade acima de toda a
suspeita. A perda dessa confiança é instantânea. E quando uma indústria é quase
a imagem de marca de um país no mundo inteiro, a perda é ainda maior. E é essa
a maior questão trazida pela fraude gigantesca da Volkswagen.
Foto de http://www.economist.com/.
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Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Setembro de 2015
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