segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Paris


E eis que a realidade brutal se impõe de forma absoluta a todos os nossos problemas, dificuldades e indefinições. À semelhança do 11 de Setembro em Nova Iorque, o ataque terrorista de ontem em Paris coloca um ponto de não retorno sobre os caminhos mal ou bem percorridos até então.
Perante o mal absoluto não adianta procurar causas profundas ou justificações socio-políticas mais ou menos elaboradas. Pretender justificar ou mesmo desculpar quem pratica estes actos de barbárie seria o mesmo que fazê-lo a  Adolf Hitler pelo Holocausto. Relembro que esta gente do dito estado islâmico ainda na semana passada divulgou um filme em que assassinava umas duzentas crianças, e há poucos meses decapitou e pendurou nas ruínas históricas o corpo do arqueólogo responsável por Palmira não havendo evidentemente ninguém, para além deles próprios, responsável por tais actos.

O dito estado islâmico decidiu vir fazer, no coração da Europa, o mesmo que todos os dias faz nos territórios sírios e iraquianos onde anda à solta. Se em Janeiro último o ataque terrorista ao Charlie Hebdo tinha como alvo específico a liberdade de imprensa e uma razão religiosa/ideológica evidente por aquela revista satírica abordar frequentemente o fundamentalismo islâmico, desta vez o alvo escolhido foram os cidadãos comuns. O maior número possível deles, fossem homens, mulheres ou crianças. Fossem brancos, pretos ou amarelos. Fossem cristãos, muçulmanos, judeus ou indus. De atentado passou a guerra trazida para dentro da Europa.
Aquilo que vemos nas televisões ser o dia-a-dia nos territórios nos territórios do dito estado islâmico foi transportado para o centro de Paris. Tornou-se mais fácil perceber a razão de milhões de pessoas andarem a procurar refúgio pelo médio-oriente e pela Europa, fugindo ao pavor da guerra do estado islâmico. A mistura de ataques suicidas com bombas junto a um estádio de futebol onde decorria um jogo internacional com mais de 80.000 espectadores, disparos contra clientes de restaurantes e ataque com armas semi-automáticas contra os espectadores numa sala de espectáculos incluindo a tomada de reféns, configura o tipo de guerra sem regras e sem quartel que levam a cabo no médio oriente e que sempre disseram querer trazer ao ocidente europeu para instituir aquilo a que chamam califado.
Os fundamentalistas islâmicos sabem bem o que fazem e escolheram propositadamente o momento para trazer a sua guerra para o centro da Europa. Parece não haver já dúvidas de que a queda do avião russo há poucos dias na península do Sinai se ficou a dever a uma bomba colocada a bordo pelos extremistas islâmicos. O recente ataque em Beirute pretendeu levar a luta também para aquele país que, recordado da sua trágica guerra civil, encontrou processos de voltar a ser um país civilizado e pacífico, como era quando era conhecido como a Suiça do médio-oriente. A intenção de colocar a ferro e fogo todo o Médio Oriente e a Europa é hoje uma evidência. O facto de centenas de milhares de refugiados dessa guerra procurarem hoje a Europa, provocando caos nas fronteiras e obrigando a medidas excepcionais para dar uma solução digna ao problema é outro cenário que os fundamentalistas pretendem usar para provocar cisões políticas e aumentar as probabilidades de confusão nas ruas, enfraquecendo a capacidade de resistência europeia. Não será simples coincidência que este ataque tenha tido lugar em França, onde nas próximas eleições o sentimento de auto-defesa das populações poderá facilitar a aceitação de ideias xenófobas refectidas nos resultados eleitorais.

Num momento destes não chega proclamar que somos todos franceses ou colocar “gosto” em posts nas redes sociais. A França é, para todos os amantes da Liberdade, o símbolo do progresso e da tolerância. Mas é mais do que isso. A França é o centro de uma Europa que tenta encontrar um caminho comum de prosperidade em liberdade. As diferenças entre os europeus que amam a civilização construída tantas vezes com “sangue, suor e lágrimas” mesmo, ou sobretudo contra inimigos internos, devem ser esbatidas contra o ressurgimento da barbárie. Perante o sucedido, é nosso dever parar para lembrar e honrar todas as vítimas que morreram sem sequer saberem em nome de quê e enviar, ainda que em pensamento, a total solidariedade aos seus familiares. 

Tal como a própria França, grande na História da Humanidade em tantos aspectos e tantas vezes, perante a gigantesca ferida aberta deve ser institucionalmente motivo de todo o apoio e confiança incondicional dos outros países europeus, incluindo Portugal. Que todos nós, europeus livres, possamos dizer, sem dúvidas nem medos: a barbárie não passará!

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 Nov. 15

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