E
eis que a realidade brutal se impõe de forma absoluta a todos os nossos
problemas, dificuldades e indefinições. À semelhança do 11 de Setembro em Nova
Iorque, o ataque terrorista de ontem em Paris coloca um ponto de não retorno sobre
os caminhos mal ou bem percorridos até então.
Perante
o mal absoluto não adianta procurar causas profundas ou justificações socio-políticas
mais ou menos elaboradas. Pretender justificar ou mesmo desculpar quem pratica
estes actos de barbárie seria o mesmo que fazê-lo a Adolf Hitler pelo Holocausto. Relembro que
esta gente do dito estado islâmico ainda na semana passada divulgou um filme em
que assassinava umas duzentas crianças, e há poucos meses decapitou e pendurou nas
ruínas históricas o corpo do arqueólogo responsável por Palmira não havendo evidentemente
ninguém, para além deles próprios, responsável por tais actos.
O
dito estado islâmico decidiu vir fazer, no coração da Europa, o mesmo que todos
os dias faz nos territórios sírios e iraquianos onde anda à solta. Se em
Janeiro último o ataque terrorista ao Charlie Hebdo tinha como alvo específico a
liberdade de imprensa e uma razão religiosa/ideológica evidente por aquela
revista satírica abordar frequentemente o fundamentalismo islâmico, desta vez o
alvo escolhido foram os cidadãos comuns. O maior número possível deles, fossem
homens, mulheres ou crianças. Fossem brancos, pretos ou amarelos. Fossem
cristãos, muçulmanos, judeus ou indus. De atentado passou a guerra trazida para
dentro da Europa.
Aquilo
que vemos nas televisões ser o dia-a-dia nos territórios nos territórios do
dito estado islâmico foi transportado para o centro de Paris. Tornou-se mais
fácil perceber a razão de milhões de pessoas andarem a procurar refúgio pelo médio-oriente
e pela Europa, fugindo ao pavor da guerra do estado islâmico. A mistura de
ataques suicidas com bombas junto a um estádio de futebol onde decorria um jogo
internacional com mais de 80.000 espectadores, disparos contra clientes de
restaurantes e ataque com armas semi-automáticas contra os espectadores numa
sala de espectáculos incluindo a tomada de reféns, configura o tipo de guerra
sem regras e sem quartel que levam a cabo no médio oriente e que sempre
disseram querer trazer ao ocidente europeu para instituir aquilo a que chamam
califado.
Os
fundamentalistas islâmicos sabem bem o que fazem e escolheram propositadamente
o momento para trazer a sua guerra para o centro da Europa. Parece não haver já
dúvidas de que a queda do avião russo há poucos dias na península do Sinai se
ficou a dever a uma bomba colocada a bordo pelos extremistas islâmicos. O
recente ataque em Beirute pretendeu levar a luta também para aquele país que,
recordado da sua trágica guerra civil, encontrou processos de voltar a ser um
país civilizado e pacífico, como era quando era conhecido como a Suiça do
médio-oriente. A intenção de colocar a ferro e fogo todo o Médio Oriente e a
Europa é hoje uma evidência. O facto de centenas de milhares de refugiados
dessa guerra procurarem hoje a Europa, provocando caos nas fronteiras e
obrigando a medidas excepcionais para dar uma solução digna ao problema é outro
cenário que os fundamentalistas pretendem usar para provocar cisões políticas e
aumentar as probabilidades de confusão nas ruas, enfraquecendo a capacidade de
resistência europeia. Não será simples coincidência que este ataque tenha tido
lugar em França, onde nas próximas eleições o sentimento de auto-defesa das
populações poderá facilitar a aceitação de ideias xenófobas refectidas nos
resultados eleitorais.
Num
momento destes não chega proclamar que somos todos franceses ou colocar “gosto”
em posts nas redes sociais. A França é, para todos os amantes da Liberdade, o
símbolo do progresso e da tolerância. Mas é mais do que isso. A França é o
centro de uma Europa que tenta encontrar um caminho comum de prosperidade em
liberdade. As diferenças entre os europeus que amam a civilização construída
tantas vezes com “sangue, suor e lágrimas” mesmo, ou sobretudo contra inimigos
internos, devem ser esbatidas contra o ressurgimento da barbárie. Perante o
sucedido, é nosso dever parar para lembrar e honrar todas as vítimas que
morreram sem sequer saberem em nome de quê e enviar, ainda que em pensamento, a
total solidariedade aos seus familiares.
Tal como a própria França, grande na
História da Humanidade em tantos aspectos e tantas vezes, perante a gigantesca
ferida aberta deve ser institucionalmente motivo de todo o apoio e confiança
incondicional dos outros países europeus, incluindo Portugal. Que todos nós,
europeus livres, possamos dizer, sem dúvidas nem medos: a barbárie não passará!
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 Nov. 15
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