Na
semana passada, do meio das notícias trágicas sobre o actual drama dos
fugitivos à guerra nos próximo e médio orientes surgiu uma que, no meio daquela
tragédia nos fez sorrir e pensar que, mesmo no meio da desgraça, há sempre algo
que corre bem e mostra que a Humanidade merece ser salva. Uma mulher com 105
anos conseguiu chegar, com a sua família num total de 17 pessoas, a um campo de
refugiados na Croácia. Tinham partido do Afeganistão 20 dias antes e feito uma
viagem cheia de dificuldades atravessando montanhas e florestas; se durante
algumas partes do percurso, caminhou pelo seu próprio pé, em grande parte do
trajecto aquela mulher foi transportada às costas pelos familiares, incluindo o
filho que conta com 67 anos. Como muitos dos outros refugiados que ali chegam,
o sonho desta família é partir para a Suécia, um dos países nórdicos com
tradição de acolhimento de refugiados, tal como a Noruega.
O
que são refugiados? Todos nós ouvimos falar deles mas, eventualmente, não teremos
bem presente o verdadeiro significado da palavra. Um dos maiores cataclismos da
Humanidade foi provocado pela II Guerra Mundial. Quando acabou em 1945, milhões
de pessoas tinham perdido familiares, além dos seus haveres, enchendo as
estradas europeias de filas gigantescas a caminho de algum lugar onde pudessem
ter futuro.
Em 1951 sentiu-se a necessidade de garantir protecção legal
internacional a essas pessoas, que não são emigrantes clássicos, já que não são
pessoas que simplesmente procuram trabalho noutro país que não o seu. Na
realidade, os refugiados abandonam os seus próprios países fugindo da guerra ou
de perseguição já sofrida ou receada. De acordo com a lei internacional, o
refugiado não pode ser obrigado a regressar ao seu país contra a sua vontade.
A
tragédia dos refugiados que se desenrola aos nossos olhos nos dias de hoje faz
lembrar as grandes movimentações de pessoas do passado, com a diferença de não
se tratar de europeus e sim de pessoas oriundas de alguns países africanos que
chegam às costas do norte de África e ainda da Síria, do Afeganistão e do
Iraque, mas também do Kosovo e da Albânia. Todos pretendem entrar na União
Europeia e sonham terminar as suas viagens essencialmente na Alemanha, na
Suécia, na Itália, em França e no reino Unido. Só no corrente ano já entraram
na Europa mais de 600.000 pessoas nestas condições, das quais metade são
crianças, sendo o ritmo actual de cerca de 10.000 por dia, ritmo esse ainda
assim inferior ao do ano de 2014 que foi de 42.500. As rotas de entrada na
Europa que têm impressionado mais pelas mortes que lhes estão associadas são as
do Mediterrâneo Central e Oriental, dada a utilização de embarcações sem
capacidade para as centenas de pessoas que transportam com o objectivo de
chegarem a Malta, Sicília, península italiana e ilhas gregas. No dia seguinte à
notícia da chegada feliz da mulher de 105 anos de idade à Europa, em dois
naufrágios junto às ilhas gregas de Kalymnos e Rodas morreram pelo menos 21
pessoas, havendo um número desconhecido de desaparecidos.
Mas
o elevado número de pessoas que chegam diariamente às fronteiras da Roménia, da
Bulgária, da Sérvia, da Macedónia e da Grécia cria um problema humanitário
gigantesco, aumentado nestes dias pelo frio do Inverno que está a chegar. A Europa
é, para todos estes refugiados, um “el-.dorado” pela estabilidade, prosperidade
e segurança que proporciona aos seus cidadãos. E cabe à Europa, como um todo,
dar resposta satisfatória aos anseios destes refugiados que a procuram como
tábua de salvação. Os países que, pela sua localização, são a porta de entrada
dos refugiados que atravessaram a Turquia, têm que sentir a solidariedade de
toda a União, porque este é um problema humanitário, mas também um problema político
comum. Percebe-se que esses países construam barreiras que criem pontos
controlados de entrada, mas já não se percebe que outros países, como a Suécia,
se venham queixar de que não têm condições para receber uns 190.000 refugiados,
receando entrar em colapso!
As
“primaveras árabes” que tanto encantaram muitos europeus, as sucessivas invasões
do Afeganistão, a invasão do Iraque, os conflitos entre muçulmanos sunitas e
xiitas, a descida do preço do petróleo, a guerra civil na Síria, problemas
antigos mas sempre prontos a eclodir como a questão dos curdos e o
recrudescimento do fanatismo islâmico criaram um barril de pólvora às portas da
Europa. Receia-se que esse barril possa explodir, com o imperialismo de uns e
sede de imperialismo de outros que já foram e querem ser de novo. A Europa pode
dar um contributo essencial para o futuro, acolhendo as populações em fuga,
partilhando com elas aquilo que tantas vezes tem a mais e construindo assim a
possibilidade de uma futura cooperação com os países de que são originárias.
Não esqueçamos que metade destes refugiados são crianças, a quem é devida formação
escolar e cultural. No futuro, são estes jovens que podem fazer toda a
diferença, quando regressarem aos seus países.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Novembro de 2015
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