segunda-feira, 3 de julho de 2017

“Doces águas e claras do Mondego, Doce repouso de minha lembrança”



“Doces águas e claras do Mondego,
Doce repouso de minha lembrança”
Foi através de referências às águas do Mondego que Camões fixou na Arte a sua passagem por Coimbra. E tal não aconteceu por acaso. A relação de Coimbra com o Mondego é tão antiga que a cidade deve a sua existência ao próprio rio. Recuando até tempos tão antigos como o dos Fenícios, o rio Mondego era navegado desde a sua foz até precisamente ao ponto onde as montanhas começavam e o limite da navegação se situava. Naquele primeiro monte se veio a situar uma pequena povoação que cresceu até os romanos lhe reconhecerem a importância estratégica e lhe chamarem Aeminium.
Passaram séculos e civilizações várias até que no início do século XII um jovem chamado Afonso Henriques fez dela a capital do seu reino em construção, que haveria de ser Portugal. Coimbra é hoje a cidade que todos conhecemos, herdeira deste passado e do muito mais que desde então se passou, incluindo a Universidade que se transformou no seu símbolo universal. E se a cidade ao rio se deve, é notória a difícil relação que com ele teve durante muitos anos, mais parecendo que lhe virava as costas, como ainda hoje é visível em boa parte das suas margens no interior da área urbana. Aquele rio a que os conimbricenses chamavam carinhosamente “basófias”, só foi domado nos anos setenta/oitenta do século XX, com as obras do “Aproveitamento Hidráulico do Mondego” que incluíram o sistema constituído pelas barragens Aguieira/Fronhas como instrumento de regulação de caudais, para além da produção eléctrica.
Apesar disso, de vez em quando ainda lá vêm cheias, o que teoricamente não deveria acontecer. A de 2001 foi tão intensa que, para além dos prejuízos nas margens da cidade, danificou ou destruiu mesmo grande parte das obras do Baixo Mondego, para além dos prejuízos que causou à produção agrícola. Mais recentemente, todos nos recordamos das cheias dos últimos anos que danificaram gravemente as obras de aproveitamento das margens, o Parque Verde tão solicitado pela população e inundaram também o Mosteiro de S.ta Clara-a-Velha. As consequências da última cheia, em Janeiro de 2016, são ainda visíveis pelos danos nas chamadas “docas” do Parque Verde que não voltaram a funcionar desde então. A situação foi tão grave que o Governo encomendou um relatório técnico à Ordem dos Engenheiros para se determinar as causas do sucedido e apontar soluções para evitar repetições no futuro. Sendo o relatório chamado “Caracterização das condições de escoamento do rio Mondego que deram origem às inundações em Coimbra em Janeiro de 2016” datado de Setembro de 2016, só foi apresentado publicamente em Janeiro de 2017, faz agora portanto, seis meses. O relatório apresenta inequivocamente as condições de exploração das infra-estruturas existentes, leia-se barragens, como condicionante principal da ocorrência de cheias no Mondego. É, aliás, muito fácil perceber porquê. Não havendo uma estrutura que, a nível superior, concilie os diversos interesses contraditórios em jogo, muito difícil será evitar que se verifiquem novas situações de cheia em Coimbra. Sendo a EDP responsável pela exploração da barragem da Aguieira e sendo o seu objectivo a maximização da produção eléctrica, muito dificilmente a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) conseguirá que os níveis da barragem da Aguieira estejam permanentemente dentro dos parâmetros de segurança.
O empreendimento do “Aproveitamento Hidráulico do Mondego” foi uma das obras mais marcantes de toda a região Centro, nas últimas décadas. Como os excelentes técnicos que nele trabalharam durante anos sabem, após a conclusão das obras deveria ter sido constituída uma Entidade com capacidade de gestão e exploração dos Planos de aproveitamento hídricos de fins múltiplos, como sucedeu, por exemplo, no Alqueva com a EDIA, não abandonando uma estrutura tão complexa e valiosa aos diversos interesses próprios das entidades de exploração. As conclusões de um relatório tão importante não podem ser esquecidas, sendo necessário saber exactamente o que está a ser feito, seis meses depois da sua apresentação e um ano após a sua elaboração. A relação da cidade de Coimbra e da sua região com o rio Mondego é demasiado importante para que fique tudo no esquecimento de uma qualquer gaveta.
Não se trata apenas de evitar que Coimbra volte a ser inundada e que as suas margens estejam permanentemente à mercê da Natureza. É todo o território banhado pelo Mondego nos seus troços designados médio e baixo Mondego que exige um acompanhamento constante e conhecedor dos múltiplos factores em jogo: técnicos, económicos e sociais.
Para que seja, como Camões também cantou:
“Vão as serenas águas
do Mondego descendo
mansamente, que até o mar não param;”

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