Se há algo que caracteriza os
tempos que estamos a viver é uma extraordinária diversidade de experiências, de
modos de sentir o mundo e mesmo de viver que existem de forma simultânea. Isto
verifica-se em todos os aspectos, desde a política, à organização social, à
religião e mesmo na organização do trabalho e da economia, com as máquinas a
entrar decisivamente no que dantes era apenas humano.
É hoje claro, ao contrário de
teorias que foram moda há poucas décadas, que o mundo está a passar por uma
fase transitória sendo que, se conhecemos o que se passou até agora, não é
ainda perceptível o que virá a seguir que poderá depender não de uma evolução
contínua, mas de um pequeno facto disruptivo com consequências gigantescas. O
que já é certo é que o tão celebrado “Fim da História” de Fukuyama foi tudo
menos uma realidade, existindo hoje um mundo multipolar com ressurgimentos de
nacionalismos diversos, com novas facetas de radicalismos religiosos e mesmo um
país gigantesco com prática completamente capitalista sob direcção férrea de um
partido comunista, a China.
A Cultura não foge a esta
situação de diversidade algo anárquica. Sente-se que hoje não aparece nada de
verdadeiramente original, assistindo-se a um estagnar da evolução artística.
Por outro lado, como a tecnologia e a globalização colocaram o mundo inteiro ao
dispor de qualquer cidadão, a riqueza de tudo quanto foi produzido pela
humanidade ao longo da sua História está de certa forma ao dispor de todos, o
que se transforma numa oferta gigantesca e impossível de ser totalmente
absorvida por qualquer pessoa.
Será que aquilo que os actuais meios
oferecem continua a ser cultura? Há algumas décadas T.S. Elliot via a cultura
como caminhando para um fim através de uma decadência contínua que acompanharia
o fim das elites necessárias à existência da “alta cultura”. Já George Steiner
colocou em causa a simples possibilidade da cultura, depois das mortandades das
duas guerras mundiais e, em particular, do extermínio gratuito de seis milhões
de judeus do Holocausto. É o próprio conceito de Cultura que parece estar
igualmente em fase de transição para outra coisa que não tem muito a ver com
aquilo que vem de há séculos.
Nos nossos dias, mais parece que
a cultura foi substituída pelo espectáculo. A produção artística foi tomada
pela publicidade e pela organização de apresentações públicas de massa. Só
interessa aquilo que vende, que dá rendimento imediato, logo que responde às
aspirações e aos desejos das multidões que acorrem em uníssono a aplaudir os
seus ídolos fabricados pelas máquinas produtoras.
Não se pense que me refiro apenas
à chamada música popular, embora essa seja a manifestação artística que hoje em
dia representa melhor o fenómeno da massificação e da completa ausência da
essência da arte que é a beleza, tendo nos últimos anos enveredado por um
caminho autofágico de substituição permanente de obras e artistas com uma
velocidade estonteante. Também na literatura se verifica o mesmo fenómeno.
Nunca se publicou tanto entre nós e nunca houve autores com edições tão
gigantescas mas que de obras literárias só têm a forma exterior e o facto de
terem letras no interior. A pintura, a partir das estéticas inovadoras dos
primeiros decénios do século XX, entrou por caminhos estranhos à definição de
arte, alimentada por “especialistas” que com isso ganham muito dinheiro. Na
realidade como a maioria das pessoas não são capazes de detectar o mínimo de
qualidade artística nas obras de autores incensados, torna-se necessário haver elites
pretensamente conhecedoras que iluminem os espíritos e garantam que aquelas
obras têm valor. E, como se confunde valor com o custo pelo qual são
transacionadas, vira-se a essência da arte ao contrário, através da sua
mercantilização e da vitória do efémero, banal e tantas vezes até grotesco
sobre o labor solitário e inspirado de tantos artistas considerados menores
apenas por não entrarem no mercado absurdo do mau gosto. O cinema tornou-se
hoje em grande parte uma amálgama infantilizada de efeitos visuais, violência e
barulho que não tem nada a ver com aquilo a que ainda não há muitos anos se
chamava a sétima arte. A música dita erudita teve igualmente uma evolução que
quase a liquidou mas que, mercê talvez das suas características intrínsecas,
nos permite hoje viver quase num paraíso, tal é a oferta e de tão grande
qualidade. Os caminhos de composição por que enveredou no século XX até à
chamada música concreta desembocaram num beco sem saída, mas a evolução
tecnológica colocou à disposição de todos não só as obras maravilhosas de
imensos compositores durante séculos, incluindo contemporâneos, mas também as
interpretações mais diversas dessas mesmas obras.
Na sequência de T.S. Elliot há
quem diga que, nos dias de hoje, a cultura já morreu, como acontece com Mario
Vargas Llosa. De facto, o espectáculo tomou conta de boa parte do espaço
público, relegando a cultura para o interior de salas, sejam das nossas casas,
sejam de museus ou de auditórios. Mas, curiosamente, nunca como hoje houve tão
grande afluência aos museus. Observar o resultado do trabalho de grandes
artistas como a Pietà de Miguel Ângelo ou a Guernica de Picasso é muito
diferente de olhar para a sanita provocadora de Marcel Duchamp ou as obras de
Damien Hirst e finalmente, cada vez mais pessoas percebem isso mesmo, e acorrem
aos museus de “arte antiga” como nunca.
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