O que andava escondido
ou apenas calado desde há muitos anos veio finalmente para a luz do dia e não é
bonito de se ver. A exposição pública do caso de Harvey Weinstein abriu a caixa
de Pandora do assédio sexual no cinema americano, algo que ao longo dos anos
foi sendo motivo de comentários mais ou menos públicos, mas que nunca levaram a
uma atitude pública. Todos sabemos como Marilyn Monroe se referiu aos anos em
que tentava ser alguém no mundo da arte cinematográfica, não sendo necessário
repetir aqui como ela os descreveu de forma crua.
Após dezenas de mulheres
o terem acusado publicamente de assédio sexual no momento em que tentavam ser
escolhidas para papéis em filmes da sua produtora, uma das mais importantes de
Hollywood, responsável por filmes como “O Discurso do Rei” ou “A Paixão de
Shakespeare”, Harvey Weinstein ainda tentou o caminho da desresponsabilização
do “todos o faziam nos anos 60 e 70” ou “era um homem que gostava demasiado de
mulheres”. Contudo, a onda cresceu tanto que de imediato teve que se demitir da
empresa que ele próprio tinha fundado há anos. O facto de estrelas do nível de
Angelina Jolie ou Gwyneth Paltrow, entre outras, terem assumido que foram
vítimas de assédio sexual por parte de Weinstein quando jovens pretendentes a
actrizes não deixou muito espaço livre ao produtor para continuar.
Mas o caso de Weinstein
provocou uma autêntica enxurrada de acusações a outras personalidades de
referência no mundo do cinema e não só, já que se alastrou a outras áreas da
indústria de “media”, havendo mesmo quem diga que o assédio sexual é aí endémico.
É sabido que as mulheres vítimas destas acções raramente falam sobre isso, seja
com medo de perder trabalho, ou temendo que ninguém acredite nelas dada a
proeminência social dos abusadores. Neste momento, porém, algo mudou, havendo
muitas mulheres abusadas a utilizar a internet através da referência
“hash-tag#metoo” para tornar públicos os seus casos pessoais. E os acusados são
já muitos e bem conhecidos do público. O actor Ben Affleck começou por comentar
negativamente o comportamento de Weinstein e é hoje também acusado de atitudes
do mesmo tipo, o mesmo acontecendo ao conhecido Steven Seagal. O consagrado
realizador Oliver Stone chegou mesmo a defender
Weinstein, para logo ser acusado de assédio sexual por uma atriz. Um dos mais
conceituados fotógrafos de moda, Terry Richardson, viu já serem-lhe fechadas as
portas das principais revistas dessa área, depois de surgirem acusações de
assédio sexual praticado ao longo de dezenas de anos. E a lista continua por aí
fora, parecendo não ter fim, não se devendo esquecer outros mais antigos, como o
caso de Roman Polanski.
Há algo de comum em
todas estas acusações de assédio sexual, que é a posição de poder dos homens
acusados. Embora os casos que agora vão sendo públicos se referiram ao mundo dos
“media”, um pouco por todo o mundo já que não é exclusivo de Hollywood, a
realidade é que essas situações de poder são muitas vezes usadas no mundo
empresarial ou de outras instituições públicas ou privadas, e mesmo no mundo da
política. Basta que quem tem algum poder sobre outros o use de forma a
satisfazer os seus instintos sexuais, abusando da vontade e da liberdade de
quem de alguma forma dele dependa.
Felizmente, em grande
parte dos países, já não é aceite que empregos ou promoções sejam obtidos
através da troca de favores sexuais. O silêncio de colegas, tantas vezes com
comentários jocosos do género “ela trepou até ao cimo, sempre deitada” e das
própria vítimas pelas razões já indicadas criou durante muito tempo um clima
favorável à impunidade dos predadores sexuais nas empresas, que é necessário
desmontar. As próprias empresas podem vir a ser gravemente afectadas por casos
destes, como a produtora de Weinstein que provavelmente será encerrada, pelo
que será do interesse delas evitar situações destas.
Será sempre difícil
definir até que ponto algumas atitudes possam ser consideradas assédio sexual,
já que entre homens e mulheres parece haver alguma discordância sobre o assunto,
embora a situação esteja a evoluir. Mas há realidades que são indiscutíveis e
que um ambiente saudável dentro das instituições nunca permitirá, não sendo
aceitáveis desculpabilizações de qualquer género. Trata-se de uma questão de
respeito entre as pessoas: os papéis dentro das instituições são diferentes na
responsabilidade e mesmo no poder, mas isso não deverá nunca reflectir-se em
abuso pessoal, seja sexual ou qualquer outro.
Imagem retirada de: www.economist.com
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