Os portugueses votaram, está escolhido
Passados que estão
quinze dias sobre as eleições autárquicas, é já possível observar os
respectivos resultados com algum distanciamento que permita uma abordagem fria
dos números e de algum do seu significado político.
Há muito tempo que
defendo que os eleitores fazem as suas opções eleitorais através de um conjunto
de factores pessoais, numa simbiose de pura opção política com um sentimento de
adesão afectiva a pessoas que se apresentam a escrutínio, mais ainda que a
projectos. Este último factor é ainda mais visível e frequente nos casos de
rejeição, do que nos de adesão. O paradigma nacional desta situação é o caso do
PRD que, surgido do nada, obteve praticamente 19% nas eleições legislativas de 1985
que saíram do eleitorado habitual do PS. Aquele partido serviu apenas para
cortar o vínculo afectivo ao PS daqueles eleitores, que ficaram “soltos” para
votar em massa no PSD nas eleições seguintes em 1987, naquela que foi a
primeira maioria absoluta de um partido desde 1974. É minha convicção que o PSD
não receberia nunca aqueles votos, se antes não tivessem saído do PS para um
receptor intermédio, dado que PS e PSD são os dois maiores partidos do nosso
sistema político e, portanto, os maiores rivais entre si.
Nestas eleições
autárquicas de Coimbra observou-se um fenómeno de transferências de votos com algumas
semelhanças com aquela situação. Em minha opinião não é possível fazer uma
análise coerente e sustentada de uns resultados eleitorais sem atender também
aos resultados de eleições semelhantes anteriores, interessando mais olhar para
os grandes números do que para o pormenor dos resultados a nível de freguesias.
Irei aqui utilizar os resultados a partir de 2009, último ano em que o PSD
ganhou a Câmara Municipal com Carlos Encarnação, a quem daqui saúdo.
Assim, em primeiro
lugar, é evidente a grande estabilidade das votações no Partido Socialista:
para a Câmara Municipal, que aqui servirá de referência em todos os números, em
2009 o PS, não vencendo, obteve 24.377 votos, em 2013 obteve 22.631 votos
ganhando a Câmara e em 2017 teve 24.232 votos, vencendo de novo as eleições.
Aproveito para aqui felicitar Manuel Machado pela sua nova vitória, extensiva a
Carlos Cidade pelo seu trabalho político eficiente à frente do PS de Coimbra.
No que respeita aos
resultados do Partido Social Democrata, deve-se fazer uma análise em conjunto
com o Centro Democrático Social. Embora em 2013 não tenham ido coligados,
utilizarei aqui a soma dos dois partidos nessas eleições, dado que nas
restantes aqui abordadas houve coligação. Não refiro aqui os outros partidos
dessas coligações que, pela sua reduzida dimensão, não alteram os resultados
finais das votações tendo apenas um valor simbólico, ainda que possam ser
importantes por isso mesmo. Nas eleições de 2009, a coligação PSD/CDS obteve
29.357 votos, ganhando a presidência da Câmara. Em 2013 a soma dos resultados
do PSD e do CDS foi de 21.439 votos, o que significou uma perda de 7.919 votos
relativamente a quatro anos antes. Nestas últimas eleições do passado dia 1 a
coligação obteve 18.151 votos, numa significativa e algo surpreendente perda de
3.287 votos, comparando com 2013. Na realidade a coligação, desde a última
eleição em que obteve a vitória, que foi em 2009, perdeu no total o apoio de
11.206 eleitores.
Como é evidente que
aqueles votos não foram para o Partido Socialista que mantém uma grande
estabilidade eleitoral há muitos anos, para algum lado haveriam de ir dado
estarem “soltos” em termos eleitorais e não se verificar subida na abstenção. O
surgimento de uma nova alternativa corporizada pela candidatura “Somos Coimbra”
encabeçada por José Manuel Silva veio proporcionar àqueles eleitores a
possibilidade de fazerem a sua escolha sem regressarem ao PSD/CDS, nem se voltarem
para o PS. O resultado da candidatura Somos Coimbra foi de 10.976 votos, o que
corresponde, com uma aproximação impressionante, ao número de eleitores
perdidos pelo PSD/CDS nos últimos anos (11.206). São cerca de 11.000 eleitores
que passaram directamente da coligação para uma proposta política surgida do
nada, embora personificada em alguém bem conhecido e com uma afirmação própria
evidente com o seu passado à frente da Ordem dos Médicos, ainda por cima numa
cidade em que a área da saúde tem a relevância que todos conhecemos.
Ao contrário do que
muitos pensarão, não me parece que, hoje em dia, as campanhas eleitorais tenham
uma grande influência nos resultados eleitorais, por maior voluntarismo que
evidenciem. Evidentemente têm que ser feitas, se possível com o mínimo de
custos possível, mas pouco alteram no sentir dos leitores que é formado ao longo
de quatro anos na observação do exercício das responsabilidades políticas dos
eleitos, quer os escolhidos para governar, quer os que têm que fazer oposição.
E aqui, permitam-me que o diga, os partidos de oposição não podem restringir a
sua acção política à comparência nas sessões do executivo municipal, apenas esperando
pelas novas eleições. Quando tal sucede, em vez de exercerem um trabalho
político permanente e construtivo junto das pessoas e dos seus problemas,
perdem o contacto directo com a sociedade com óbvias consequências, também a
nível eleitoral.
Quanto aos partidos mais
à esquerda, não haverá muito a dizer, a não ser constatar a descida eleitoral,
quer da CDU/PCP que perdeu quase 1.500 votos mantendo ainda assim o seu
vereador, quer dos Cidadãos por Coimbra desta vez mais conotados com o BE que
perderam 1.100 eleitores não conseguindo entrar no executivo municipal.
Publicado no Diário de Coimbra em 16 de Outubro de 2016
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