segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Susana e os Velhos



Susana decidiu ir até ao jardim e tomar banho na piscina. A tarde estava quente e quase toda a gente tinha aproveitado para fazer uma sesta. Mandou as criadas para casa e pediu-lhes que fechassem a porta do jardim para poder estar à vontade enquanto se banhava. Mal imaginava que, escondidos num canto do jardim, dois velhos libidinosos a espreitavam. Eram dois homens importantes, visita habitual de sua casa convidados por Joaquim o seu marido, que tinham combinado entre si encontrar maneira de a possuir. Quando Susana acaba o seu banho e se prepara para regressar a casa, os dois homens saem-lhe ao caminho e ameaçam dizer ao seu marido que a tinham visto cometendo adultério com um jovem, razão por que tinha mandado as criadas embora, se não satisfizesse de imediato os seus desejos. Embora já fossem de alguma idade, eram homens robustos e bem capazes de violentar a mulher. Susana fica na situação de ter de escolher entre ceder ao desejo dos anciãos ou ver-se humilhada perante toda a comunidade. Resolve gritar, assim chamando a atenção dos restantes moradores da casa, família e criados. Perante os testemunhos dos velhos, Susana não consegue defender-se e é quase condenada quando um jovem chamado Daniel interrompe o julgamento propondo que os dois velhos prestem os seus testemunhos em separado. Interrogados sobre as concretas condições do sucedido, logo entram em contradição, acabando eles condenados e sendo Susana absolvida de todas as acusações.
Esta história não se passa nos nossos dias, mas sim no tempo em que os Judeus estavam em cativeiro na Babilónia, portanto no século VI AC e surge no Livro do Profeta Daniel. Foi motivo para pinturas famosas de artistas tão célebres como Rembrandt, Tintoretto, van Dyck ou Rubens, além de muitos outros, incluindo Artemisia Gentilechi. O quadro relativo ao tema desta grande pintora injustamente esquecida num mundo artístico povoado quase só por homens é, aliás, particularmente expressivo, mostrando claramente a violência do assédio poderoso dos dois homens e a expressão realista de repúdio da mulher que reflecte, talvez, a violação de que a própria pintora foi vítima, enquanto jovem. É possível apreciar várias das pinturas sobre este tema no Museu do Prado, em Madrid, sendo as de Tintoretto e de Rubens muito conhecidas e impressionantes pelo detalhe minucioso dos ambientes representados.

Embora a época a que se refere tenha mais de vinte cinco séculos, há muitos aspectos da fábula de Susana e os Velhos que se mantêm actuais, como todos os dias podemos verificar nos jornais. O voyerismo, a violência, a mentira e mesmo a chantagem aparecem ligados ao sexo hoje, tal como os velhos as usaram há tantos anos para tentar alcançar o seu objecto de desejo. Os casos de abuso sexual, normalmente de jovens mulheres de alguma forma dependentes, espantam o mundo pelo seu número, mas também pela notoriedade dos abusadores. No mundo do cinema, mas também na política aos mais diversos níveis e, ao que se vai conhecendo em diversos países, a herança da libertação sexual das décadas de 60 e 70 do século passado parece ter produzido em muita gente uma grande confusão entre sedução e assédio. E, um ambiente em que o relacionamento entre as pessoas, incluindo a nível sexual, passou a ser caracterizado por uma maior liberdade, acabou por proporcionar um terreno propício para a actuação de gente com notórias taras que se sente à vontade para arrastar na sua vida depravada pessoas com grande dificuldade em se defender, o que já está mesmo a colocar em causa as liberdades individuais que tão difíceis foram de conseguir. Por isso, trazer para os nossos dias as atitudes de Susana e de Daniel perante os dois velhos parece fazer todo o sentido porque hoje como ontem é preciso fazer frente à mentira, à chantagem e à violência por mais poderosa que seja a sua fonte.

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