segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Corrupção: um imposto escondido



Há momentos em que a actualidade se nos impõe de uma forma tão impressiva, que não podemos fugir dela, por muito que desejássemos que a realidade da nossa sociedade de hoje fosse diferente.
Felizmente, a corrupção é vista pela esmagadora maioria dos cidadãos como algo de errado, ainda que muitas pessoas não se apercebam do seu profundo significado e encontrem até motivos para a sua não reprovação completa ou mesmo desculpabilização. Não vivemos numa sociedade em que o “bakshish” seja norma, mas há muitos afloramentos de atitudes que não andarão muito longe. Por exemplo, todos conhecemos casos de políticos, da esquerda à direita, que transitam entre os ministérios e as grandes empresas com o maior dos à-vontades, demonstrando que aquilo que se dizia ser próprio de um regime antidemocrático se verifica também em democracia, isto é, “o que interessa não é ser ministro, é ter sido ministro”.
Por estes dias um caso de corrupção, mais propriamente por enquanto, de suspeita de corrupção, atingiu em pleno o cerne do último reduto da defesa da sociedade como um todo colectivo e dos cidadãos a nível individual, que é a Justiça. Dois juízes desembargadores da Relação de Lisboa, um homem e uma mulher, foram constituídos arguidos por suspeita de crimes relacionados com recebimento de dinheiro em troca de decisões judiciais favoráveis. O caso atinge tais proporções que o Conselho Superior da Magistratura suspendeu-os por entender que, e não é um qualquer cidadão mais revoltado que o escreve, “em ambos os casos, indicia-se, pois, uma muito grave, dolosa e reiterada violação dos deveres profissionais a que se encontram adstritos os magistrados judiciais, suscetível de se repercutir na sua vida pública de forma incompatível com a credibilidade, prestígio e dignidade indispensáveis ao respetivo exercício funcional”.
Já tínhamos um antigo Primeiro-ministro acusado de corrupção a aguardar julgamento, já tivemos antigos ministros condenados, banqueiros e gestores de grandes empresas uns condenados e outros à espera de julgamento e por aí fora, agora temos juízes desembargadores também acusados de corrupção.
Este caso dos juízes desembargadores arguidos por suspeita de corrupção vem juntar-se a esses casos de grande notoriedade dos últimos anos que, apesar de tudo, são a prova de que a Justiça é o grande garante do primado da Lei e que, embora seja um lugar comum dizê-lo, funciona.
E é precisamente quando a Justiça funciona colocando em causa os mais poderosos, seja pelo dinheiro, seja pela relevância das suas funções como políticos ou juízes, que vemos imediatamente um exército bem treinado saltar para a comunicação social a colocar em causa precisamente esse funcionamento.
Desde meados da semana passada que assistimos a especialistas em todas as televisões e nas páginas dos jornais a clamar contra a violação do segredo de justiça e contra uma suposta judicialização da política ou a denunciar, pasme-se, a “agenda da PGR”. Quem estiver distraído, poderá mesmo ser levado a pensar que os arguidos são vítimas e não suspeitos de serem criminosos e que a Democracia poderá estar a ser posta em causa, quando é ao contrário. A comunicação social é acusada dos piores crimes por divulgar informação sobre os processos e não os deixar ficar na sombra, enquanto curiosamente se louvam filmes como “The Post” ou “Os Homens do Presidente” que mais não são do que símbolos da liberdade de imprensa contra os mais poderosos.
A corrupção é algo intolerável, que deve ser combatido por razões éticas mas também por questões de justiça social. Os actos de corrupção constituem um saque ao bem comum, com custos para toda a sociedade. São um imposto escondido, que todos nós acabamos por pagar, para benefício de uns poucos. A sociedade tem vindo, e bem, a criar mecanismos de defesa contra a corrupção, como acontece com a obrigatoriedade da existência de um “Plano de Gestão de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas” em todos organismos públicos, incluindo Empresas Públicas. Mas quando são precisamente responsáveis de topo dessas instituições a resolver usar o seu poder para extorquir dinheiro para as suas contas pessoais, no fim são apenas as instâncias judiciais que têm capacidade para lhes suster o passo e os castigar. Façamos votos para que a Justiça portuguesa continue, de forma independente e cega aos privilégios, a defender a sociedade deste roubo social que é a corrupção.

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