segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

COM A VERDADE ME ENGANAS



Em 2017, o PIB cresceu 2,7%, em Portugal, que é o seu valor mais alto desde há mais de quinze anos. Trata-se de um crescimento acima da média europeia, que cresceu 2,6%, em termos homólogos, o que significa que no ano passado Portugal convergiu ligeiramente com a Europa, o que já não acontecia há muitos anos. O Governo, sem surpresa, festejou este facto, que todos os portugueses devem reconhecer como positivo para o país. Claro que, tal como o copo de bom vinho que se serve a um convidado, que está meio cheio ou meio vazio conforme a perspectiva, também um valor de crescimento do PIB surge diferente conforme o ponto de vista de que se observa.
O valor de um índice económico, qualquer que ele seja, tem pouco significado se não for observado sob duas ópticas: primeiro, como é que ele se situa na série de valores, isto é, como se comportou nos anos anteriores e ainda o que se prevê para os seguintes; depois, tem que ser relacionado com os vizinhos, ainda mais quando um país está inserido numa comunidade internacional e não interage no contexto internacional de forma autónoma em vários aspectos incluindo o económico.
Sob o ponto de vista temporal, verifica-se que, depois da queda abrupta que acompanhou a tragédia da entrega da nossa soberania à troika em 2011, o PIB alcançou um mínimo de -4,03% no seu pico mais baixo em 2012 e começou depois a crescer, sendo já positivo em 2014 (0,89%) e de 1,82% em 2015. Em 2016 desceu um pouco para 1,54% e, como vimos, em 2017 retomou a variação crescente, para 2,7%. Isto é, se não tivesse havido aquele tropeção de 2016 coincidente com o início do actual governo, nada impede que se considere que o crescimento em 2017 pudesse e devesse ter sido, no mínimo, de 2,90%, pelo que a festa do valor alcançado parece um pouco despropositada quando se vê a variação ao longo dos últimos anos. No que toca ao futuro próximo, as previsões da Comissão Europeia para o ano corrente e, claro, previsões são previsões, já se sabe, indicam para Portugal um abrandamento no crescimento, para um valor de 2,2% do PIB. O sol da convergência com a Europa terá sido, assim, de pouca duração, regressando-se à nefasta e infelizmente habitual divergência que nos vai atirando para os lugares inferiores dos países da União Europeia.
E como se portaram as economias dos nossos parceiros da União Europeia, para não ir mais longe, até porque as nossas trocas comerciais são aqui maioritariamente feitas? A zona euro, em que estamos integrados, cresceu em média o mesmo que Portugal, isto é, 2,7%, enquanto a média do crescimento europeu englobando os 28 países (euro e não euro) foi de 2,6%.

Dos 28 Estados-membros da EU, 19 cresceram mais do que Portugal, e só 7 cresceram menos do que nós. Acontece, no entanto, que entre os países que cresceram menos do que Portugal estão as maiores economias europeias, casos da Alemanha, França, Itália e Reino Unido que puxaram a média para baixo, colocando-nos relativamente mais acima. Por exemplo, a Alemanha que possui a economia mais forte da EU, cresceu 2,2% em 2017, o seu maior valor desde 2011 mas esse crescimento foi acompanhado de um excedente orçamental de quase 37 mil milhões de euros, agravando os problemas orçamentais dos países que, como Portugal, têm elevadas dívida sendo essa, contudo, conta de outro rosário bem mais complexo do que o abordado nesta crónica: crescimento económico em 2017. Aqui mesmo ao lado, a Espanha que é o nosso principal parceiro comercial cresceu 3,1% em 2017 e não canta de galo, apenas porque desde a saída da última crise em 2014, cresceu 3,4% em 2105 e 3,3% em 2016.
O nosso crescimento económico, muito sustentado nas políticas financeiras do BCE que deverão mudar a curto prazo e ainda no turismo que tem beneficiado de factores internos como o crescimento exponencial do alojamento local, mas também de problemas de outros países que têm visto o seu turismo a diminuir, terá atingido um pico em 2017. Sem alterações profundas na nossa organização económica, no sentido de aumentar a competitividade e a capacidade de atracção de investimento externo, dificilmente regressaremos à convergência e é nesse patamar e não noutro qualquer que temos de nos colocar de forma sustentada. Só assim a dívida se poderia tornar mais inofensiva, por diminuição radical em função do PIB, mas também se tornaria possível tornar sustentável o nosso Estado Social, incluindo o SNS que de forma assustadora todos percebemos estar neste momento num ponto de desequilíbrio orçamental de extrema gravidade, o que se reflecte principalmente nos serviços prestados aos mais desfavorecidos.
Publicado no Diário de Coimbra em 26 de Fevereiro de 2018

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