Com uma regularidade estonteante, as noticias e
imagens sobre tiroteios mortais em escolas americanas entram-nos nas televisões
de forma perturbadora. As estatísticas destes acontecimentos são impressionantes.
Só desde o início do corrente ano, houve 18 incidentes deste tipo em escolas
dos Estados Unidos e, desde o princípio de 2013, é o 291º tiroteio numa escola,
numa média aterradora de um por semana.
Na Quarta-feira da semana passada verificou-se
outro incidente, desta vez num liceu em Parkland no Sul da Florida, em que um
jovem ex-aluno daquela escola, com apenas 19 anos, matou a tiro 17 pessoas,
ferindo ainda muitas outras. Entre as vítimas contam-se alguns professores que,
de uma forma heróica, se colocaram à frente de alunos salvando-os, mas perdendo
a sua vida nesse acto. O atirador passeou-se pelos corredores da escola,
abatendo a tiro quem lhe aparecia pela frente, numa acção que, de tão repetida,
se tornou já banal e recorrente mesmo em filmes e séries policiais. Ainda há
poucas semanas tivemos oportunidade de ver um episódio da excelente série
britânica “Silent Witness” do qual este tiroteio parece tirado a papel químico.
Até a técnica de fuga do criminoso do filme introduzindo-se no meio dos
estudantes na evacuação apressada da escola e escondendo a arma num saco de
ginástica, parece ter sido transposta para a vida real.
O presidente Donald Trump dirigiu-se ao país depois do massacre, tendo-o
caracterizado como "uma violência terrível, de ódio e maldade"
causada por problemas mentais do jovem criminoso, tendo evitado qualquer
referência à questão da facilidade de acesso às armas nos Estados Unidos.
Para muitas pessoas nos EUA e essencialmente, para quem observa de fora, a
questão da posse de armas pelos cidadãos americanos deveria estar no centro da
discussão sobre estes casos. De facto, por causa da actual interpretação da célebre
“Segunda Emenda” da Constituição dos EUA, o jovem que perpetrou este ataque na
sua antiga escola comprou legalmente a espingarda semi-automática que utilizou no
atentado. Se os americanos precisam de ter 21 anos para comprar bebidas
alcoólicas, na maioria dos Estados só precisam de ter 18 anos para comprar uma
espingarda AR-15, numa demonstração de que algo vai mal naquele país para além
dos problemas mentais referidos por Trump, naquilo que mais parece uma
justificação lateral ao verdadeiro problema. Aquela arma é uma adaptação civil
da M-16, sendo muito popular nos EUA, tanto servindo para caça, para tiro desportivo
ou em “auto-defesa”, estimando-se que haja mais de 8 milhões de exemplares em
casas americanas.
A “Segunda Emenda” é utilizada pelo enorme lobby pró-armas como símbolo da
liberdade americana que incluiria um direito à auto-defesa constitucionalmente
garantido, incluindo o direito a possuir armas. Contudo, a própria justificação
da “Segunda Emenda” para garantir o “Right to Bear Arms” não parece fazer muito
sentido nos dias de hoje, sendo claramente datada, ao dar aos cidadãos
americanos dessa altura a possibilidade de possuir armas para defesa colectiva
do Estado, através de participação em milícia. Estava-se em 1791, poucos anos
depois da Declaração de Independência de 1776 e a Segunda Emenda fazia parte do
conjunto de dez emendas constitucionais que constituíram a “Declaração dos
Direitos dos Cidadãos dos Estados Unidos”.
Hoje em dia, esse Direito perdeu a função colectiva de defesa do Estado,
tendo-se transformado num direito a todos os cidadãos possuírem armas, com as
consequências que estão bem à vista de todos, menos dos que entendem que a
solução para resolver o problema dos atiradores é toda a gente ter armas para
ripostar em auto-defesa.
Os defensores do direito generalizado à posse de armas encontram muitas
justificações para estes massacres, com os problemas mentais à cabeça. Mas há
uma consideração a que não podem fugir e que é o elevadíssimo número de armas
detidas por particulares nos EUA, já que se os americanos constituem cerca de
4,4% da população mundial, possuirão 42% das armas do mundo.
Trata-se de uma questão difícil de resolver, mas um grande país como são os
Estados Unidos da América não pode deixar de o fazer, sob pena de num dia
destes o remédio vir a ser ainda pior que a actual doença.
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