Se há devoção enraizada numa população é aquela
que os habitantes da Cidade de Coimbra tem pela Rainha Santa. E com toda a
razão, dada a relevância história daquela mulher que, quando era ainda uma
jovem infanta de 12 anos, veio de Aragão para casar com o Rei D. Dinis em 1282,
entrando para sempre no coração do povo conimbricense. Tendo falecido no dia 4
de Julho de 1336, foi sepultada originalmente no Mosteiro das Clarissas existente
na margem esquerda do Mondego a que a Rainha Santa deu grande apoio em vida. Com
os sucessivos alagamentos causados pelas cheias do rio, veio a ser construído
um novo mosteiro no alto do vizinho Monte de Nossa Senhora da Esperança que ficou
conhecido como Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, também designado como Convento da Rainha Santa Isabel, para
onde foi trasladado o seu corpo em 1677.
Após a implantação da República em 1910 a parte
Norte do Mosteiro passou a ser propriedade do Exército, que aí teve instalações
a funcionar até aos finais do Séc. XX. Os outros espaços, incluindo a Igreja,
claustro, hospedaria e casas do hospício, ficaram desde o Séc. XIX propriedade
da Confraria da Rainha Santa.
Em frente de todas estas instalações existe o
Largo da Rainha Santa que, além de proporcionar uma vista privilegiada da
Cidade, funciona como acesso quer à Igreja e respectivo claustro e outras
instalações anexas, quer ao antigo Convento que pertence ao Estado português.
A localização e características do edifício do
antigo Convento sugerem de imediato a sua utilização turística, lamentando-se
que o Estado tenha deixado aquelas instalações ao abandono desde que o Exército
deixou de as utilizar. Em 2016 o Governo criou o programa REVIVE que visa
entregar três dezenas de instalações abandonadas deste tipo espalhadas por todo
o País. O Mosteiro de Santa Clara-a-Velha foi incluído neste programa,
aguardando-se que seja aberto o respectivo Concurso para que finalmente, aquele
magnífico espaço tenha uma utilização adequada contribuindo para a dinamização
turística de Coimbra e correspondente actividade económica e ainda para a
melhoria da imagem da cidade.
A Igreja da Rainha Santa Isabel do Mosteiro de
Santa Clara-a-Nova, para além de acolher a urna de prata e cristal que contém o
corpo da Rainha Santa, é de uma grande riqueza arquitectónica e artística. O
claustro construído pelo húngaro Carlos Mardel em 1733 é menos conhecido mas surpreende
sempre quem o visita pela primeira vez pela sua beleza e ambiente de
recolhimento que proporciona. A Confraria da Rainha Santa Isabel precisa de
encontrar financiamentos para zelar por este património. É, por isso,
inteiramente justificado que os visitantes paguem pelo acesso às edificações,
contribuindo para a sua manutenção.
Já o pedido de pagamento para acesso ao Largo da
Rainha Santa que a Confraria da Rainha Santa Isabel começou a praticar desde há
algum tempo é algo difícil de compreender e mesmo inaceitável pelos poderes que
têm a responsabilidade de zelar pelos espaços públicos a começar por os manter
nessa situação. Trata-se de um miradouro de uso público geral e acesso livre
desde há muitas dezenas de anos, utilizado por turistas e por conimbricenses
como cenário ideal para fotografias. Acresce que por este largo se pratica o
acesso às instalações detidas pelo Estado agora integradas no programa Revive.
Será que a Confraria tenciona começar a cobrar portagem de passagem aos futuros
utentes da Pousada ou Hotel que aí será instalado? Não há ideia de alguma vez o
ter feito quando o Exército utilizava as suas instalações e muito menos cobrou
renda quando no Largo estiveram expostas ao público peças de artilharia e a
famosa chaimite BULA cujo papel no dia 25 de Abril de 1974 é bem conhecido.
Acredita-se que existam documentos antigos que atestem a “propriedade privada”
do Largo pela Confraria. Mas a “actualidade” existente pelo menos desde a
implantação da República dita outra realidade completamente diferente. Este
passo dado pela Confraria poderá dever-se a um lapso interpretativo e não a
quaisquer outros interesses. Por isso mesmo deverá ser rapidamente corrigido,
sem ser necessário que a República, através das entidades responsáveis, se veja
obrigada a proceder a uma providência cautelar sobre o Largo da Rainha Santa devolvendo-lhe
o estatuto que permita a liberdade de acesso que teve durante praticamente uma
centena de anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário