Tendo em vista o
seu grande objectivo de dotar de instalações a Universidade que definitivamente
transferiu de Lisboa para Coimbra, o Rei D. João III mandou abrir em 1535, a
partir de Santa Cruz, uma nova rua com o nome de Rua de Santa Sofia. Nessa nova
rua, de dimensões inusuais para a época, dizendo-se mesmo que a sua largura e o
seu comprimento eram o dobro das dimensões da equivalente Rue de Sorbonne em
Paris, seriam edificados os colégios que albergariam religiosos e estudantes.
Os colégios mais afastados de Santa Cruz eram os de São Tomás a poente e de São
Pedro a nascente.
A actual Rua da
Sofia (ou Sabedoria) que constitui uma jóia de Coimbra, tanto do ponto de vista
urbanístico e arquitectónico, como do ponto de vista humanista e
histórico-cultural foi, juntamente com a Alta Universitária, justamente
classificada pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade.
Infelizmente, por
razões que se espera a Cidade venha a ser capaz de ultrapassar a curto prazo, a
Rua da Sofia não tem tido atractivos que a façam ser reconhecida e objecto de
visita regular de conimbricenses e visitantes exteriores.
No antigo Colégio
de S. Tomás está instalado, desde há quase cem anos, o Palácio da Justiça da
Cidade, que alberga o Tribunal da Relação de Coimbra que está a celebrar este
ano o centenário da sua criação. O actual Juiz Presidente da Relação Dr. Luis
Azevedo Mendes compreendeu bem a importância do edifício do Palácio da Justiça
para a afirmação da Rua da Sofia e em consequência da Cidade, pelo que decidiu comemorar
condignamente esse centenário. Para além das cerimónias oficiais, abriu o Palácio
da Justiça à população da cidade e promoveu, em conjunto com a Orquestra
Clássica do Centro, a realização de uma série de concertos a que foi dado o
nome de “Festival Sofia – Concertos no Palácio da Justiça”.
Um desses
concertos decorreu na passada sexta-feira no claustro interior do Palácio da
Justiça. E foi um deslumbramento descobrir que Coimbra tem mais um “novo”
espaço magnífico para a realização de eventos culturais. Todo o conjunto
rodeado dos lindíssimos painéis de azulejos policromados que rodeiam o
claustro, com iluminação adequada que faz ressaltar os riquíssimos elementos
arquitectónicos do edifício constituiu um cenário praticamente perfeito para o
recital de canto de Dora Rodrigues acompanhada por guitarra clássica e
percussão. O encantamento produzido pela audição da que é considerada a melhor
soprano portuguesa da actualidade foi notório em toda a assistência,
surpreendida pela capacidade interpretativa da cantora em áreas musicais
exteriores à ópera, como sejam os “Caprichos” de Manuel Garcia (Sec.
XVIII-XIX), obras de Enrique Granados, “Modinhas, Lundus e Cançonetas” antigas
ou as canções lindíssimas, mais próximas do nosso tempo, de Carlos Guastavino.
O acompanha mento musical simples, mas de grande sensibilidade e à altura da
cantora, esteve a cargo do guitarrista clássico Rui Gama e, alternadamente, de
Davy Tremet e Francesco Sammassimo, ambos músicos da Orquestra Clássica do
Centro.
O “Festival Sofia
– Concertos no Palácio da Justiça” vai ter continuação com concertos nos dias
1, 12 e 26 de Outubro, comemorando-se no concerto do dia 1 o Dia Mundial da
Música, data que em todo o mundo serve de motivo para a Festa da Música, a arte
sublime.
É da evidência diária
que a Rua da Sofia tem sido o “parente pobre” da área classificada como
Património Mundial em 2013, onde praticamente não chega nenhum dos muitos
turistas que visitam a Universidade. A actividade comercial da rua outrora
pejada de gente tem vindo a morrer e até mesmo a Procissão da Rainha Santa este
ano se ficou pela Praça 8 de Maio. Estas iniciativas culturais a partir do
Palácio da Justiça constituem uma pedrada no charco da falta de afirmação de
uma tão importante zona histórica de Coimbra. São a demonstração de que, com
consciência da responsabilidade que constitui ter um bem cultural desta
dimensão em mãos e vontade de fazer e de estabelecer parcerias, ainda que com
meios financeiros limitados é possível acender faróis culturais de grande
intensidade luminosa.
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