segunda-feira, 24 de setembro de 2018

COIMBRA NO SEU MELHOR




Tendo em vista o seu grande objectivo de dotar de instalações a Universidade que definitivamente transferiu de Lisboa para Coimbra, o Rei D. João III mandou abrir em 1535, a partir de Santa Cruz, uma nova rua com o nome de Rua de Santa Sofia. Nessa nova rua, de dimensões inusuais para a época, dizendo-se mesmo que a sua largura e o seu comprimento eram o dobro das dimensões da equivalente Rue de Sorbonne em Paris, seriam edificados os colégios que albergariam religiosos e estudantes. Os colégios mais afastados de Santa Cruz eram os de São Tomás a poente e de São Pedro a nascente.
A actual Rua da Sofia (ou Sabedoria) que constitui uma jóia de Coimbra, tanto do ponto de vista urbanístico e arquitectónico, como do ponto de vista humanista e histórico-cultural foi, juntamente com a Alta Universitária, justamente classificada pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade.
Infelizmente, por razões que se espera a Cidade venha a ser capaz de ultrapassar a curto prazo, a Rua da Sofia não tem tido atractivos que a façam ser reconhecida e objecto de visita regular de conimbricenses e visitantes exteriores.
No antigo Colégio de S. Tomás está instalado, desde há quase cem anos, o Palácio da Justiça da Cidade, que alberga o Tribunal da Relação de Coimbra que está a celebrar este ano o centenário da sua criação. O actual Juiz Presidente da Relação Dr. Luis Azevedo Mendes compreendeu bem a importância do edifício do Palácio da Justiça para a afirmação da Rua da Sofia e em consequência da Cidade, pelo que decidiu comemorar condignamente esse centenário. Para além das cerimónias oficiais, abriu o Palácio da Justiça à população da cidade e promoveu, em conjunto com a Orquestra Clássica do Centro, a realização de uma série de concertos a que foi dado o nome de “Festival Sofia – Concertos no Palácio da Justiça”.

Um desses concertos decorreu na passada sexta-feira no claustro interior do Palácio da Justiça. E foi um deslumbramento descobrir que Coimbra tem mais um “novo” espaço magnífico para a realização de eventos culturais. Todo o conjunto rodeado dos lindíssimos painéis de azulejos policromados que rodeiam o claustro, com iluminação adequada que faz ressaltar os riquíssimos elementos arquitectónicos do edifício constituiu um cenário praticamente perfeito para o recital de canto de Dora Rodrigues acompanhada por guitarra clássica e percussão. O encantamento produzido pela audição da que é considerada a melhor soprano portuguesa da actualidade foi notório em toda a assistência, surpreendida pela capacidade interpretativa da cantora em áreas musicais exteriores à ópera, como sejam os “Caprichos” de Manuel Garcia (Sec. XVIII-XIX), obras de Enrique Granados, “Modinhas, Lundus e Cançonetas” antigas ou as canções lindíssimas, mais próximas do nosso tempo, de Carlos Guastavino. O acompanha mento musical simples, mas de grande sensibilidade e à altura da cantora, esteve a cargo do guitarrista clássico Rui Gama e, alternadamente, de Davy Tremet e Francesco Sammassimo, ambos músicos da Orquestra Clássica do Centro.
O “Festival Sofia – Concertos no Palácio da Justiça” vai ter continuação com concertos nos dias 1, 12 e 26 de Outubro, comemorando-se no concerto do dia 1 o Dia Mundial da Música, data que em todo o mundo serve de motivo para a Festa da Música, a arte sublime.
É da evidência diária que a Rua da Sofia tem sido o “parente pobre” da área classificada como Património Mundial em 2013, onde praticamente não chega nenhum dos muitos turistas que visitam a Universidade. A actividade comercial da rua outrora pejada de gente tem vindo a morrer e até mesmo a Procissão da Rainha Santa este ano se ficou pela Praça 8 de Maio. Estas iniciativas culturais a partir do Palácio da Justiça constituem uma pedrada no charco da falta de afirmação de uma tão importante zona histórica de Coimbra. São a demonstração de que, com consciência da responsabilidade que constitui ter um bem cultural desta dimensão em mãos e vontade de fazer e de estabelecer parcerias, ainda que com meios financeiros limitados é possível acender faróis culturais de grande intensidade luminosa.

Sem comentários: