Foi Medina que deu o pontapé de saída. Contudo, percebeu-se
bem, através da instantânea adopção da ideia pelo Governo, que a jogada tinha
sido previamente concertada, já que Medina é apenas, e por enquanto, presidente
da Câmara Municipal de Lisboa. Trata-se de uma daquelas medidas que ficam bem a
qualquer político, sobretudo a um ano das eleições legislativas. Teve ainda a
vantagem de retirar de cena o acto falhado de António Costa ao prometer
diminuir o IRS durante algum tempo àqueles jovens que emigraram durante os
tempos da troika que regressassem ao país e que colheu críticas justas à
esquerda e à direita.
Fernando Medina anunciou a medida como sendo uma
“revolução no preço dos transportes públicos de Lisboa” para o que tinha
garantido o apoio dos municípios da área metropolitana de Lisboa (pudera!),
tendo logo adiantado que já tinha entregue o dossier a Costa e Centeno,
esclarecendo ainda que o plano custará 65 milhões de euro anuais. Todos os
anos, claro.
E quem pagaria esta despesa acrescida com os
transportes públicos de Lisboa? Todos os contribuintes do país, de Bragança a
Vila Real de Santo António, da Guarda a Peniche. É que Medina propôs a Costa
que inclua as verbas necessárias já no próximo Orçamento de Estado que será
apresentado até 15 de Outubro na Assembleia da República. E em que consiste a
tal revolução no preço dos passes sociais? Apenas na definição de um preço
máximo de 30 euros por mês no interior de Lisboa e de 40 euros para viagens
dentro dos 18 municípios da área metropolitana. Poder-se-ia dizer que foi com
coisas destas que Maduro começou, com os excelentes resultados que todos vemos
trazidos pelo socialismo (a este chamam-lhe bolivariano) na Venezuela. Medina
não se preocupou em fazer contas aos montantes dos descontos perante o custo
dos bilhetes. Não, vai-se a eles e zás, aplica-lhe um preço máximo, que os
atarantados dos portugueses de todo o país pagarão! Tal como pagam e
continuarão a pagar um escandaloso imposto sobre os combustíveis, visto que o
magnânimo Medina já estabeleceu como verdade insofismável que os passes
revolucionários para Lisboa serão muito mais justos do que baixar os
combustíveis para todos os (malandros residentes a mais de 50 km da fronteira,
direi eu) que se deslocam de carro.
E, segundo Medina, porque é que os cidadãos optarão
pelo transporte individual, em vez de se deslocarem nos transportes públicos? Segundo
o autarca, por falta de resposta do sistema público de transportes. Perante a
solução revolucionária que ele encontrou para o problema, não pude deixar de
recordar a resposta fantástica de Álvaro Cunhal em 1974 quando, regressado há pouco
do exílio no Leste, deu a sua justificação para os portugueses terem tantos carros
com pintura metalizada: é que eram tão pobres que se viam obrigados a escolher
essa pintura porque dura mais. Isto é, o cego irrealismo ideológico e a
necessidade de lhe adaptar a realidade, são caminho directo para o disparate.
Na verdade, num tempo em que os cidadãos se apercebem
todos os dias da descida da qualidade da oferta dos sistemas públicos de
transportes em Lisboa, sejam rodo, ferroviários ou fluviais, a fuga para a
frente à custa dos impostos de todos os portugueses é uma má solução, além de
injusta. Medina e os seus apoiantes governamentais bem podem argumentar que são
os alfacinhas e os tripeiros que pagam a maioria dos impostos porque, na
realidade, 70% do IRS é pago por 9% dos contribuintes e 20% do total do IRS
recolhido pelas Finanças vem daquele 1% com os rendimentos mais altos. Escuso
de falar na imensa percentagem de contribuintes daquelas áreas urbanas que pura
e simplesmente não pagam IRS e que beneficiarão daquela medida. Revolucionária,
no dizer de Medina.
O que Medina e Costa não dizem é que, se o objectivo é
atrair utentes para os transportes públicos, seria muito mais eficaz melhorar
em qualidade e quantidade a oferta dos mesmos em Lisboa. Mas lá está, as
cativações e a praticamente inexistência de investimento público não deixam
seguir esse caminho que custaria centenas de milhões de euros. E, além disso,
para que é que interessam a eficácia e a competência na gestão da coisa
pública, quando é muito mais barato gastar umas poucas dezenas de milhões em
subsídios que, ainda por cima, são muito mais eficazes na obtenção de votos?
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