segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Há racionalidade na política?



Em boa hora o Eng. Henrique Neto decidiu dedicar algumas das suas excelentes crónicas desta mesma página do Diário de Coimbra à análise da racionalidade em decisões governamentais e de como a ideologia influencia essas decisões de forma tantas vezes negativa. Com a inteligência que se lhe reconhece e a experiência de vida pessoal e profissional em que conseguiu grandes sucessos reconhecidos, Henrique Neto apresentou vários exemplos que demonstram a justeza da sua análise.
Com a devida vénia perante tão ilustre companheiro de página e colega de formação, permito-me fazer aqui algumas considerações que, a meu ver, mostram a quase impossibilidade actual de racionalidade na acção política e que espero possam ajudar a trazer mais alguma luz sobre este assunto.
Em primeiro lugar, o que leva os eleitores a entregar o seu voto a esta ou àquela formação política, entregando-lhe a sua confiança para gerir os destinos o país? Desde há muito tempo que cheguei à conclusão de que os eleitores votam baseados em sentimentos e não por critérios puramente racionais. Esse sentimento é induzido pela interpretação da realidade que lhes é apresentada pelos próprios agentes da política, mas também pelos numerosos comentadores televisivos, interessados directa ou indirectamente naquilo que falam. 

Essa percepção é resultado de uma manipulação generalizada, muito difícil de desmontar, até porque os destinatários preferem ouvir as boas às más notícias; por isso vão ganhando afecto sobre quem lhes apresenta efabulações simpáticas, desgostando de quem, não mentindo, lhes mostra apenas dificuldades e exigências, construindo sentimentos que se vão reflectir mais tarde nas suas opções eleitorais. Não preciso de concretizar, para que quem me leia saiba exactamente do que e de quem me estou a referir, em todo o espectro político-partidário.
Por estarem conscientes da importância do sentimento nas decisões eleitorais dos cidadãos, os partidos constroem narrativas que apresentam ao eleitorado as quais, embora partindo de bases ideológicas próprias, são mais das vezes cobertas com efabulações como o creme que cobre os doces para atrair clientes. Essas narrativas são por vezes estruturadas sobre teorias económicas apresentadas como científicas quando, na verdade, só são verdadeiras perante determinadas situações concretas, os tais pressupostos dos “estudos económicos”, bastando uma pequena variação de um deles para toda a estrutura construída por cima ruir como um baralho de cartas. Mas os políticos parecem ter necessidade de oferecer soluções milagrosas, baseadas no que dizem ser “ciência política”, que prometem mundos e fundos para o futuro, enquanto de caminho demonizam os adversários, sempre apresentados como maus da fita. As narrativas assim construídas têm a vantagem de esconder as verdadeiras opções ideológicas, mesmo aquelas cujo valor foi já tantas vezes desmontado pela História, enquanto ajudam ainda a fazer esquecer as próprias responsabilidades passadas nos tristes resultados presentes. É muitas vezes visível que os próprios políticos ficam muitas vezes reféns das suas próprias narrativas quando chegam ao poder, inventando malabarismos para adaptar a realidade àquilo que defenderam, deixando os eleitores perplexos e mesmo perdidos perante as incongruências e manifestações de hipocrisia, donde a frase mais ouvida: “são todos iguais”.
E onde pára a racionalidade de decisões no meio deste ambiente político? Quer do lado dos decisores políticos presos nas suas narrativas, quer do lado dos eleitores ávidos de boas notícias, fica muito pouco espaço para a racionalidade. É de facto preciso ser dotado de uma grande solidez de personalidade, deter uma larga base de conhecimentos em várias áreas, que não apenas de marketing político, para se conseguir manter uma coerência política que origine decisões minimamente sensatas e racionais para um observador externo. E só estas permitirão inverter o caminho descendente da nossa economia perante as mais desenvolvidas da Europa que se verifica desde o início deste século e que continua, facto generalizadamente escondido dos portugueses, e que é resultado da pura irracionalidade de muitas das decisões de quem nos tem governado.

Sem comentários: