segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

"Don't let the door hit you on the way out."



Ou em português corrente, “a porta da rua é a serventia da casa” deve ser o que os outros 27 membros da União Europeia terão vontade de dizer perante as posições do Reino Unido depois de, por sua livre iniciativa, terem decidido sair da União onde, desde que entrou, é notório que o país não se sente bem.
Relembrando o início disto tudo, foi o antigo primeiro-Ministro britânico David Cameron que, perante dificuldades dentro do seu próprio Partido Conservador, resolveu colocar a possibilidade de um referendo para o Brexit no programa eleitoral e, pior ainda, propô-lo ao povo britânico em Junho de 2016. Para surpresa geral, os eleitores escolheram sair da União Europeia e David Cameron é hoje lembrado como o pior primeiro-Ministro da História do Reino Unido.
Nestas últimas semanas os políticos britânicos têm mostrado ao mundo uma estranha forma de reagir aos acontecimentos, mais parecendo uma fuga desnorteada à realidade. Após dois anos de negociações difíceis, com marcação de limites mútuos impossíveis de transpor, as chamadas linhas vermelhas, o governo britânico e a União Europeia chegaram ao Acordo possível. Contudo, num espectáculo seguido por todo o mundo, o Parlamento Britânico, enquanto ouvia as chamadas à razão “Order, Order, Order”pelo seu carismático e improvável speaker John Bercow, reprovou o Acordo e logo depois reprovou igualmente uma Moção de Censura ao Governo apresentada pelo líder do Partido Trabalhista. A primeira-Ministra referiu que, a partir daquele momento, se sabia o que o Parlamento não queria, mas não o que queria. Não passaram muitos dias sem que o Parlamento aprovasse uma Emenda segundo a qual o Reino Unido não poderá sair da União Europeia sem acordo. Theresa May veio logo dizer que agora sim, já se sabe o que o Parlamento quer, garantindo ter forças para novas negociações com a União Europeia.
Para quem observa de fora, tudo isto seria patético, se não fosse trágico. Os políticos britânicos agem como se as decisões do seu Parlamento fossem ordens para a União Europeia. Ainda não perceberam que os tempos do Império Britânico acabaram no fim da 1ª Grande Guerra, tal como os outros impérios que nesse momento histórico tiveram o seu fim, o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano.

Acontece que a vitória do referendo do Brexit se deveu muito ao apelo dos populistas precisamente à memória de quando os britânicos governavam o mundo e não precisavam de mais ninguém para serem uma grande potência comercial. E, de cada vez que Theresa May vai a Bruxelas armada com as grandes decisões do parlamento britânico, vem de lá de mãos a abanar por razões muito simples, mas muito fortes. Do outro lado estão 27 países que também têm os seus próprios interesses e, fundamentalmente, o essencial daquilo que os mantém unidos. A União Europeia não pode aceitar livre trânsito de mercadorias sem que seja acompanhada da livre circulação de pessoas, bem como não pode prescindir da fronteira externa comum, o que choca com o estatuto da Irlanda do Norte que partilha a ilha com a República da Irlanda que não vai sair da União. E é nestas matérias, precisamente, que o Reino Unido quer lhe sejam permitidas excepções.
Por escolha do próprio Reino Unido, foi definida a data de 29 de Março de 2019 para abandono da União Europeia. O prazo aproxima-se e os britânicos continuam a tomar decisões como se a União Europeia tivesse que fazer alguma coisa, quando já negociou o acordo de saída. A emenda aprovada que exige um acordo antes da saída, ao contrário do que o Governo britânico parece pensar, obriga-o a ele e não à União Europeia. Por outro lado, dentro de 4 meses haverá eleições para o novo Parlamento Europeu, no qual já não haverá representantes do Reino Unido. Acredito que, em nome de um espírito de colaboração europeu, a União Europeia aceite uma prorrogação do prazo, a pedido do Reino Unido. Mas cabe aos britânicos decidir o que fazer, eventualmente um segundo referendo de que ninguém, verdadeiramente, pode prever o resultado.
Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Fevereiro de 2019

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