Ou em português corrente, “a porta da rua é a serventia da
casa” deve ser o que os outros 27
membros da União Europeia terão vontade de dizer perante as posições do Reino
Unido depois de, por sua livre iniciativa, terem decidido sair da União onde,
desde que entrou, é notório que o país não se sente bem.
Relembrando o início disto tudo, foi o antigo
primeiro-Ministro britânico David Cameron que, perante dificuldades dentro do
seu próprio Partido Conservador, resolveu colocar a possibilidade de um
referendo para o Brexit no programa eleitoral e, pior ainda, propô-lo ao povo
britânico em Junho de 2016. Para surpresa geral, os eleitores escolheram sair
da União Europeia e David Cameron é hoje lembrado como o pior primeiro-Ministro
da História do Reino Unido.
Nestas últimas semanas os
políticos britânicos têm mostrado ao mundo uma estranha forma de reagir aos
acontecimentos, mais parecendo uma fuga desnorteada à realidade. Após dois anos
de negociações difíceis, com marcação de limites mútuos impossíveis de
transpor, as chamadas linhas vermelhas, o governo britânico e a União Europeia
chegaram ao Acordo possível. Contudo, num espectáculo seguido por todo o mundo,
o Parlamento Britânico, enquanto ouvia as chamadas à razão “Order, Order,
Order”pelo seu carismático e improvável speaker John Bercow, reprovou o Acordo
e logo depois reprovou igualmente uma Moção de Censura ao Governo apresentada
pelo líder do Partido Trabalhista. A primeira-Ministra referiu que, a partir
daquele momento, se sabia o que o Parlamento não queria, mas não o que queria.
Não passaram muitos dias sem que o Parlamento aprovasse uma Emenda segundo a
qual o Reino Unido não poderá sair da União Europeia sem acordo. Theresa May
veio logo dizer que agora sim, já se sabe o que o Parlamento quer, garantindo
ter forças para novas negociações com a União Europeia.
Para quem observa de fora, tudo
isto seria patético, se não fosse trágico. Os políticos britânicos agem como se
as decisões do seu Parlamento fossem ordens para a União Europeia. Ainda não
perceberam que os tempos do Império Britânico acabaram no fim da 1ª Grande Guerra,
tal como os outros impérios que nesse momento histórico tiveram o seu fim, o
Império Austro-Húngaro e o Império Otomano.
Acontece que a vitória do
referendo do Brexit se deveu muito ao apelo dos populistas precisamente à
memória de quando os britânicos governavam o mundo e não precisavam de mais
ninguém para serem uma grande potência comercial. E, de cada vez que Theresa May
vai a Bruxelas armada com as grandes decisões do parlamento britânico, vem de
lá de mãos a abanar por razões muito simples, mas muito fortes. Do outro lado
estão 27 países que também têm os seus próprios interesses e, fundamentalmente,
o essencial daquilo que os mantém unidos. A União Europeia não pode aceitar
livre trânsito de mercadorias sem que seja acompanhada da livre circulação de
pessoas, bem como não pode prescindir da fronteira externa comum, o que choca
com o estatuto da Irlanda do Norte que partilha a ilha com a República da
Irlanda que não vai sair da União. E é nestas matérias, precisamente, que o
Reino Unido quer lhe sejam permitidas excepções.
Por escolha do próprio Reino
Unido, foi definida a data de 29 de Março de 2019 para abandono da União
Europeia. O prazo aproxima-se e os britânicos continuam a tomar decisões como
se a União Europeia tivesse que fazer alguma coisa, quando já negociou o acordo
de saída. A emenda aprovada que exige um acordo antes da saída, ao contrário do
que o Governo britânico parece pensar, obriga-o a ele e não à União Europeia.
Por outro lado, dentro de 4 meses haverá eleições para o novo Parlamento
Europeu, no qual já não haverá representantes do Reino Unido. Acredito que, em
nome de um espírito de colaboração europeu, a União Europeia aceite uma prorrogação
do prazo, a pedido do Reino Unido. Mas cabe aos britânicos decidir o que fazer,
eventualmente um segundo referendo de que ninguém, verdadeiramente, pode prever
o resultado.
Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Fevereiro de 2019
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