Leonor tinha apoiantes
poderosos, dos quais o que mais se bateu contra a minha escolha como Regente
foi o Conde de Barcelos Afonso, meu meio-irmão, que tinha dez anos quando o
nosso Pai D. João se casou em 1387 com minha Mãe, Filipa de Lencastre. O Rei D.
João sempre tratou Afonso como filho e armou-o cavaleiro em 1398 com 21 anos,
depois da conquista de Tui, ainda durante as guerras com Castela. O conde de
Barcelos casou em 1401 com Beatriz, filha do condestável e grande amigo e
apoiante de nosso Pai, D. Nuno Álvares Pereira. Recordo os esforços que
desenvolvi, durante a minha regência, para anular as divergências com Afonso, e
fi-lo mesmo Duque de Bragança em 1442, tornando-o no nobre mais importante e
mais rico de todo o Reino.
Muitas coisas fiz e muitas
mais tentei fazer durante a minha regência. Consegui mandar terminar a
compilação das Ordenações Afonsinas
que vinham já do reinado de D. Duarte e que ficaram prontas em 1446. Grande
satisfação me deu tal facto, porque o reino muito precisava de leis como
aquelas que os romanos tinham e que tão esquecidas andavam.
Não me esqueci do meu ducado
e estudei a criação de uma nova Universidade em Coimbra. Em 1443 publiquei
mesmo um diploma pelo qual, em nome do Príncipe Afonso, decretei o Estudo de Coimbra custeado pelas minhas
rendas e sob a minha protecção. Cheguei até a fazer escritura de doação de
rendas para o efeito, em 1446.
Tive sempre em mente as
desgraças que as guerras com os mouros do Norte de África nos trouxeram depois
da conquista de Ceuta. Sempre me pareceu mais avisado seguir pela costa
africana, como meu irmão Henrique propunha. Por isso tratei de levar gente a
viver nos Açores e na Madeira tratando de lhes conceder regalias. Henrique bem
me dizia que o arquipélago dos Açores eram muito importantes porque as naus, no
seu regresso da costa africana, tinham que passar por lá para apanharem bons
ventos. E essas viagens iam cada vez mais longe, tendo mesmo atingido o que
chamaram de terras da Guiné. Cheguei mesmo a conceder a Henrique, em 1443, a
posse das terras para lá do cabo Bojador que tão grandes pavores infligia aos
navegadores até Gil Eanes o dobrar, mas acautelei que, depois da sua morte,
viessem à posse da casa real.
Assim que o Príncipe Afonso
atingiu a sua maioridade, de imediato dei por fim a regência em seu nome e lhe
entreguei o trono. Foi no ano passado e já parece que foi há uma eternidade. O
Duque de Bragança aproveitou bem estes meses para mais uma vez intrigar junto
do Rei e convencê-lo de que me tornei um traidor, mesmo depois de tudo quanto
fiz para lhe entregar o reino em paz e prosperidade.
Por fim, recordo os meus
mais queridos. A minha adorada Duquesa de Coimbra, que comigo veio desde
Balaguer ,na Catalunha, para me encher de felicidade. Os meus seis filhos que
tanto acarinhei e que sempre se mostraram rapazes e raparigas atentos do seu
tempo, conscienciosos do seu lugar, e capazes de escolherem os seus caminhos.
Desde o mais velho Pedro de Coimbra já com 20 anos e seguro das suas
capacidades militares e de organização, passando pela Rainha Isabel de
Portugal, até à pequena Filipa, ainda com doze anos e já gostando tanto de
tratar de crianças pequenas. Tenho a certeza de que irão sofrer depois do dia
de hoje e é isso o que mais me dói perante a morte certa. Que D. Afonso V se
apiede deles e não os transforme em mártires em virtude do pai.
Já ouço os clarins de Afonso
V a dar ordem de combate.
Meu querido Álvaro Vaz de
Almeida Conde de Abranches, meu valido e amigo de sempre. O juramento que
fizemos na Igreja de S. Tiago, na nossa Coimbra, vai agora ser cumprido. Vamos
para o combate final, morreremos certamente ambos, mas morremos com dignidade,
lutando pela Lealdade e pela Verdade.
(Por obra do acaso, esta terceira e última parte do ensaio
sobre a vida de Dom Pedro, Duque de Coimbra, é publicada no Diário de Coimbra precisamente
no dia em que passam 570 anos sobre a sua morte em Alfarrobeira)
Publicado originalmente no Diário de Coimbra, em 20 de Maio de 2019.
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