segunda-feira, 20 de maio de 2019

EU, PEDRO, DUQUE DE COIMBRA - III


Leonor tinha apoiantes poderosos, dos quais o que mais se bateu contra a minha escolha como Regente foi o Conde de Barcelos Afonso, meu meio-irmão, que tinha dez anos quando o nosso Pai D. João se casou em 1387 com minha Mãe, Filipa de Lencastre. O Rei D. João sempre tratou Afonso como filho e armou-o cavaleiro em 1398 com 21 anos, depois da conquista de Tui, ainda durante as guerras com Castela. O conde de Barcelos casou em 1401 com Beatriz, filha do condestável e grande amigo e apoiante de nosso Pai, D. Nuno Álvares Pereira. Recordo os esforços que desenvolvi, durante a minha regência, para anular as divergências com Afonso, e fi-lo mesmo Duque de Bragança em 1442, tornando-o no nobre mais importante e mais rico de todo o Reino.
Muitas coisas fiz e muitas mais tentei fazer durante a minha regência. Consegui mandar terminar a compilação das Ordenações Afonsinas que vinham já do reinado de D. Duarte e que ficaram prontas em 1446. Grande satisfação me deu tal facto, porque o reino muito precisava de leis como aquelas que os romanos tinham e que tão esquecidas andavam.
Não me esqueci do meu ducado e estudei a criação de uma nova Universidade em Coimbra. Em 1443 publiquei mesmo um diploma pelo qual, em nome do Príncipe Afonso, decretei o Estudo de Coimbra custeado pelas minhas rendas e sob a minha protecção. Cheguei até a fazer escritura de doação de rendas para o efeito, em 1446.
Tive sempre em mente as desgraças que as guerras com os mouros do Norte de África nos trouxeram depois da conquista de Ceuta. Sempre me pareceu mais avisado seguir pela costa africana, como meu irmão Henrique propunha. Por isso tratei de levar gente a viver nos Açores e na Madeira tratando de lhes conceder regalias. Henrique bem me dizia que o arquipélago dos Açores eram muito importantes porque as naus, no seu regresso da costa africana, tinham que passar por lá para apanharem bons ventos. E essas viagens iam cada vez mais longe, tendo mesmo atingido o que chamaram de terras da Guiné. Cheguei mesmo a conceder a Henrique, em 1443, a posse das terras para lá do cabo Bojador que tão grandes pavores infligia aos navegadores até Gil Eanes o dobrar, mas acautelei que, depois da sua morte, viessem à posse da casa real.
Assim que o Príncipe Afonso atingiu a sua maioridade, de imediato dei por fim a regência em seu nome e lhe entreguei o trono. Foi no ano passado e já parece que foi há uma eternidade. O Duque de Bragança aproveitou bem estes meses para mais uma vez intrigar junto do Rei e convencê-lo de que me tornei um traidor, mesmo depois de tudo quanto fiz para lhe entregar o reino em paz e prosperidade.
Por fim, recordo os meus mais queridos. A minha adorada Duquesa de Coimbra, que comigo veio desde Balaguer ,na Catalunha, para me encher de felicidade. Os meus seis filhos que tanto acarinhei e que sempre se mostraram rapazes e raparigas atentos do seu tempo, conscienciosos do seu lugar, e capazes de escolherem os seus caminhos. Desde o mais velho Pedro de Coimbra já com 20 anos e seguro das suas capacidades militares e de organização, passando pela Rainha Isabel de Portugal, até à pequena Filipa, ainda com doze anos e já gostando tanto de tratar de crianças pequenas. Tenho a certeza de que irão sofrer depois do dia de hoje e é isso o que mais me dói perante a morte certa. Que D. Afonso V se apiede deles e não os transforme em mártires em virtude do pai.
Já ouço os clarins de Afonso V a dar ordem de combate.
Meu querido Álvaro Vaz de Almeida Conde de Abranches, meu valido e amigo de sempre. O juramento que fizemos na Igreja de S. Tiago, na nossa Coimbra, vai agora ser cumprido. Vamos para o combate final, morreremos certamente ambos, mas morremos com dignidade, lutando pela Lealdade e pela Verdade.

(Por obra do acaso, esta terceira e última parte do ensaio sobre a vida de Dom Pedro, Duque de Coimbra, é publicada no Diário de Coimbra precisamente no dia em que passam 570 anos sobre a sua morte em Alfarrobeira)
Publicado originalmente no Diário de Coimbra, em 20 de Maio de 2019.

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