segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

EUROPA, PASSADO E PRESENTE



Na próxima quinta-feira, 12 de Dezembro, os britânicos vão votar em eleições legislativas antecipadas, naquelas que serão as terceiras eleições em menos de 5 anos. Desde o referendo do Brexit de Junho de 2016 que o eleitorado britânico se tornou especializado em enganar previsões. Por outro lado, o sistema político britânico já não está dividido apenas em dois grandes partidos, havendo quatro partidos com grande expressão, a que acresce a questão de ser contra ou a favor do Brexit, que se sobrepõe às opções político-ideológicas clássicas. Contudo, ao que tudo indica neste momento, quem sairá vencedor deverá ser o partido Conservador e claro, o seu líder e actual primeiro-Ministro Boris Jonhson. O Brexit deverá ser, assim, uma realidade a curto prazo.
Não tenho grandes dúvidas de que, a ser assim, todos perderemos. Perderá o Reino Unido que rapidamente descobrirá aquilo que devia ser uma evidência anterior: os países que até agora acenaram com a vantagem de acordos bilaterais passarão a ser concorrentes ferozes na arena mundial. Pelo seu lado a União Europeia perderá uma das maiores economias e, fundamentalmente, verá abrir-se uma brecha pela qual mais países, por uma razão ou por outra, poderão ceder à tentação de ir atrás de promessas vãs de reconquista de soberania. Finalmente, e mais importante, perderão os cidadãos de ambos os lados que verão surgir diversos tipos de novas e antigas fronteiras dificilmente aceitáveis pelas novas gerações que já nasceram na União.
Por mais difícil que seja de entender o desejo de muitos britânicos de saída da União Europeia, essa posição não nos deve poder esquecer o que foi a História da Europa nos últimos cem anos, bem como do papel que nela aqueles desempenharam. Em Maio de 1940 as tropas nazis de Hitler invadiram os Países Baixos e a França, entrando em Paris em 14 de Junho. Parecia que nada podia fazer frente à barbárie alemã e, em Julho, Hitler ordenou que se preparasse a invasão da Grã-Bretanha. Para tal, era necessário anular previamente as defesas britânicas, pelo que os aviões alemães procederam a um bombardeamento massivo do sul de Inglaterra. E foi aí que os britânicos mostraram uma fibra notável, aguentando com os bombardeamentos, enquanto milhares de pilotos da RAF se encarniçavam contra os bombardeiros alemães, na que ficou conhecida por «Batalha de Inglaterra» que decorreu entre Junho e Outubro de 1940. O seu heroísmo foi tal que Churchill o descreveu como «nunca tantos deveram tanto a tão poucos» e a invasão das ilhas britânicas pelos exércitos alemães nunca aconteceu, facto essencial para a futura libertação da Europa do jugo nazi.
Relembro este momento da História recente da Europa porque, sem conhecermos o passado não percebemos o presente e não podemos preparar o futuro. Não por acaso, a paz europeia das últimas sete décadas coincide com uma união entre os países europeus, seja por motivos meramente económicos como foi a CEE, seja também com bases políticas como é hoje a União Europeia. A Grécia clássica é muitas vezes apontada como a casa da democracia mais antiga tendo os autores gregos estabelecido as bases filosóficas dessa experiência que, embora de curta duração, ainda hoje é estudada. 
Mas a Grécia antiga foi também palco de experiências que deviam ser sabidas para melhor percebermos como funcionam e podem acabar as uniões de países. As diversas ligas das cidades-estado funcionaram umas vezes em volta de uma Cidade proeminente, outras vezes como defesa contra Cidades hegemónicas. A organização interna dessas ligas adoptou diversas formas de maior ou menor integração que podia chegar a um governo quase federal. Uma dessas ligas, a de Epiro (300/170), tinha uma constituição federal, um conselho, regras tributárias conjuntas, uma divisa comum e liberdade de circulação individual.
O fim dessas ligas esteve normalmente ligado à sua divisão interna perante problemas externos. Nós, europeus de 2019, bem poderíamos estudar e conhecer o nosso passado longínquo, para não repetirmos erros passados. Mas temo que isso não aconteça, em boa parte por falta de cultura, mas também porque a política europeia é cada vez mais definida por burocratas e financeiros que de arte política pouco conhecem e de História muito menos.

Originalmente publicado no Diário de Coimbra em 9 de Dezembro de 2019

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