segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

INGLESES E EUROPEUS


Os resultados das eleições britânicas da passada quinta-feira vieram confirmar as tendências das últimas semanas, com a vitória do partido Conservador liderado por Boris Johnson e a derrota do partido Trabalhista de Jeremy Corbyn. Se alguma surpresa houve tem a ver com a dimensão da vitória dos conservadores que obtiveram o seu melhor resultado desde Margaret Tatcher garantindo uma maioria absoluta confortável de 365 lugares num total de 650, mais 39 do que os necessários para essa maioria. Notória foi também a pesada derrota dos trabalhistas que perderam 59 lugares, obtendo apenas 203, o pior resultado do partido desde a Segunda Guerra.
A generalidade dos portugueses terá ficado surpreendida pelos resultados dado que, durante a campanha a nossa comunicação social, em geral, apresentava Boris Jonhson como um palhaço e Jeremy Corbyn como uma pessoa respeitável em quem se podia confiar. Depois de conhecidos os resultados apareceram as mais desencontradas justificações para os mesmos, tentando desvalorizar o seu significado intrinsecamente político, com uma boa dose de hipocrisia. O nosso primeiro-Ministro veio mesmo explicar que os britânicos manifestaram «cansaço» com o processo do Brexit. Vale a pena relembrar que a democracia inglesa é a mais antiga e estável da Europa, que nestas eleições a taxa de participação foi de 67% (comparemos com o que se passa por cá) e que o Governo agora escolhido o foi para 4 anos, sendo o Brexit apenas uma das matérias da governação, ainda que muito importante e urgente. Estas posições têm dois problemas: em primeiro lugar tentam menorizar o eleitorado britânico que vai a eleições há muito tempo, devendo as suas escolha democráticas ser respeitadas, ainda que não concordemos com elas; acresce ainda que há uma grande probabilidade de esses comentários sofrerem um efeito de «boomerang» político sobre quem os faz imaginando que os portugueses também são tão tontos que não percebem as verdadeiras motivações que lhes estão subjacentes.
O eleitorado do Reino Unido rejeitou com muita força o caminho que lhe era proposto por Corbyn, com um programa político que fazia lembrar o esquerdismo dos anos 60/70 do século passado, ressuscitando a luta de classes e a intervenção profunda do Estado na vida económica e social. Este velho marxismo não tem nada a ver com a social-democracia do Norte da Europa, antes remetendo para a prática de países que, ao adoptarem esse caminho degradaram as suas economias e se empobreceram irremediavelmente. 
Lembrando aspectos do antigo trabalhismo, mas radicalizando-os, Corbyn tentou passar por cima da História do seu próprio país, fazendo por esquecer as razões dos sucessos eleitorais de Margaret Tatcher e da «Terceira Via» trabalhista que se lhes seguiram. Jeremy Corbyn teve sinuosas posições quanto à realização de eleições e as suas duvidosas (para dizer o mínimo) posições anti-semitas também não devem ter ajudado a afirmar uma posição de sensatez e equilíbrio. A sua vida política terá terminado neste acto eleitoral, tendo agora o Partido Trabalhista quatro anos pela frente para reformar toda a sua estratégia política para o país.
Boris Johnson é uma personalidade complexa. Conseguiu obter os favores do eleitorado e, pelo lado do Parlamento, tem uma vida facilitada pela frente. O seu maior adversário pode ser ele próprio e a sua personalidade. Possui uma formação intelectual de grande densidade, sendo o seu percurso académico prova disso mesmo. Contudo, ao mesmo tempo cai sistematicamente na tentação de mentir, manipular a realidade e fá-lo com o ar de quem tira o máximo divertimento pessoal disso.
É, agora, claro que o Brexit será uma realidade a curto prazo. Os britânicos assim o escolheram, tendo o direito de o fazer. Só podemos esperar que do lado do seu novo governo haja a consciência de que o Reino Unido já não é uma potência imperial e que deverá evitar ser uma marioneta nas mãos de Putin e Trump. Do lado da Europa, que infelizmente volta a ser continental, façamos votos de que a atitude de tentar castigar o país que sai seja substituída por uma atitude construtiva que permita encontrar os melhores laços para um relacionamento mutuamente proveitoso.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Dezembro de 2019

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