Há alturas em que revisitar o
passado nos oferece, não só a possibilidade de trazer à tona factos e
personagens históricas que nos podem apontar caminhos de dignidade e progresso,
mas também relembrar como a mentira e a traição constituem parte integrante da
vida e tantas vezes elas próprias moldam o futuro.
A descrição da vida de quase todas
as figuras históricas ligadas a Coimbra chega até nós de uma forma em que o
mito impregna a realidade de uma tal forma que se diria que esta se dissolve
naquele, construindo uma figuração em que a pessoa concreta que a originou
provavelmente se reveria com dificuldade.
O Duque de Coimbra Dom Pedro foi
vítima de manipulações, mentiras e traições quer em vida, quer depois de morto,
através dos textos que os cronistas oficiais sobre ele deixaram escritos. A
exaltação do rei D. Afonso V passou, para Rui de Pina, pelo apoucamento de Dom
Pedro, na senda de Gomes Eanes de Azurara.
A manipulação histórica foi tão
profunda e tão eficaz que ainda hoje, se formos pelas nossas ruas perguntar
quem foi Dom Pedro, a probabilidade de encontrar quem saiba alguma coisa sobre
essa relevantíssima figura da nossa História, e em particular da de Coimbra, é
praticamente nula. Não há na nossa cidade um monumento, uma instituição, algo
que leve as pessoas a terem a curiosidade de se perguntar sobre quem foi. Na
toponímia há um arruamento entre a Fonte da Cheira e a Rua dos Trabalhadores.
O facto é que Coimbra ainda hoje não
se reencontrou com o Infante Dom Pedro, Duque de Coimbra. E no entanto…
Dom Pedro era filho do rei D. João I
e de D. Filipa de Lencastre pertencendo, portanto, àquela a que Camões chamou
“Ínclita geração, altos Infantes". Na sequência da tomada de Ceuta, em 1415, foi um
dos dois primeiros Duques portugueses, ele de Coimbra, e o irmão Dom Henrique,
de Viseu.
Na
infância, esteve na corte de Inglaterra onde aprendeu línguas, mas também tomou
conhecimento de outros viveres e adquiriu uma cultura excepcional para um jovem
português da época. Depois viajou pela Europa, tendo ficado conhecido como o
«Príncipe das Sete Partidas». Ao seu irmão mais velho Dom Duarte que seria Rei,
enviou em 1427 aquela que ficaria conhecida como «Carta de Bruges», com
conselhos para a futura governação. Entre outras coisas, nela propunha que na
Universidade de Lisboa fossem instituídos colégios à imitação dos de Oxford e
de Paris, reconhecendo que os clérigos portugueses tinham uma instrução muito
deficiente. Dava ainda conta a seu irmão do atraso português relativamente aos
países mais evoluídos da Europa.
Enquanto
foi regente do reino, após o falecimento de D. Duarte e até à maioridade de D.
Afonso V, Dom Pedro promoveu a compilação das leis do Reino no que ficaria
conhecido como «Ordenações Afonsinas», um verdadeiro código em cinco volumes,
regulando a vida dos súbditos portugueses.
Com base
no tratado de Séneca «De Beneficiis», Dom Pedro foi autor, a partir de certa
altura com o seu padre confessor Frei João Verba, do livro “Da Virtuosa
Benfeitoria” que muitos consideram ser o primeiro tratado de filosofia e
política moral escrito em língua portuguesa. Dedicado a seu irmão D. Duarte e
escrito por insistência deste, nele se dão indicações sobre a melhor conduta de
um príncipe. No «Tratado da Virtuosa Benfeitoria» se distinguem os
vários tipos de benefícios, como devem ser requeridos, como devem ser
recebidos, as formas de agradecimento e como pode ser destruída a relação entre
o autor e os destinatários dos benefícios.
Dom Pedro concebeu o projecto de uma
universidade em Coimbra, sede do seu Ducado, tendo mesmo estabelecido os processos
para o seu estabelecimento e financiamento, ideia abandonada após a sua morte.
Sobre a personagem fascinante de Dom
Pedro que foi o primeiro Duque de Coimbra, príncipe da Idade Média com uma
sensibilidade que lhe permitia afirmar que «POESIA É MAIS SABOR QUE SABER» e
que morreu de forma traiçoeira e trágica na chamada batalha de Alfarrobeira em 20
de Maio de1448, aqui ficam apenas alguns apontamentos. São mais do que
suficientes para mostrar o Príncipe das Sete Partidas como uma figura cimeira
das mais cimeiras da História da Cultura da nossa Cidade.
Como de Coimbra, que se quer
candidata a Capital Europeia da Cultura, continua a ser difícil extrair algo
sobre o seu primeiro Duque, aqui se cita o PRANTO PELO INFANTE D. PEDRO DAS
SETE PARTIDAS de Sophia de Mello Breyner Andersen:
Nunca choraremos
bastante nem com pranto
assaz amargo e forte
aquele que fundou glória e grandeza
e recebeu em paga insulto e morte
assaz amargo e forte
aquele que fundou glória e grandeza
e recebeu em paga insulto e morte
3 comentários:
Comentário de Carlos Alberto Maia Marques Teixeira
Caríssimo camarada e amigo:
Quase choro de comovido, quando alguém se lembra do Regente D. Pedro, e tens sido exemplar em não deixar esquecer o primeiro duque de Coimbra.
Não vejo réplicas ao teu esforço da parte do poder local.
Desconheço na minha terra uma rua, largo, travessa, o que seja, que honre o seu nome e só a cidade sai apoucada na sua ignorância ou pequenez.
O Paço Ducal em Tentugal ameaça aluir, tal o tamanho da sua ruína e abandono.
Quando, há muitos anos concorri à presidência da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, era esse o local que propunha para a sede da Ordem, havendo inclusivamente fundos europeus destinados a estes fins específicos.
Escolheram uma aldeia inteira !
É uma dor de alma quando a nossa condição social é toda a nossa condição...
O brasão do Duque de Coimbra estava a recato no Museu Machado de Castro, e simboliza desde sempre a justiça.
Artes malabares fizeram desaparecer o original!
Eanes de Azurara e Rui de Pina foram instrumentos de poder do Infante D.Henrique, sempre insaciável na lavagem das suas duas únicas saídas do reino:
Em Ceuta quase foi capturado pelos mouros. Valeu o Rei D. João I e os Infantes Duarte e Pedro.
Em Tânger foi um massacre a derrota lusa e o irmão Fernando aí ficou cativo e alvo de sevícias terríveis.
Todos quiseram ceder aos termos da sua libertação, menos o Duque Henrique e o seu meio irmão Afonso.
Foi este sinistro personagem que, de bem longe, armou a besta para a seta que assassinou D. Pedro.
Este personagem é um bastardo do Rei D. João I que casou com a filha do Mestre Nuno Álvares Pereira,que se aliaria ;como dois dos seus irmãos, ao Rei de Castela, se o Rei não desse o seu aval ao enlace.
Aqui tem início a Casa de Bragança!
A clausura e os votos de pobreza do Mestre de Aviz são meros remorsos e falsas aparências de fim de vida , para a mais rica casa ducal do Condado.
Ambos, D. Henrique e D. Afonso estiveram lado a lado na maldição da memória do Regente D. Pedro.
Ambos afrontaram a Rainha, fidalga da Casa de Lancaster ,no apoio à França na "Guerra dos Cem Anos" e a honra lusitana no mais velho tratado do mundo , celebrado por D. Dinis com Inglaterra.
Para lá da "carta de Bruges",berço da reforma da Universidade de Coimbra, o das "sete partidas" vai com o Imperador Segismundo até à actual Turquia em guerra com os otomanos.
Foi tão ilustre o seu desempenho que recebeu o Marco de Treviso , entre Veneza e Florença, cujos fundos serviram para adquirir o "Mapa de Fra Mauro".
Estava em marcha o "caminho marítimo para a Índia".
De Pádua traz oferta de algumas relíquias do ossário de Santo Antonio de Lisboa e da Padova.que são as únicas de Portugal ,e que de Santa Cruz ,em Coimbra , partiu para cumprir o destino de honrar os mártires de Marrocos.
Este é o Santo mais rapidamente elevado da Santa Sé !
Menos de um ano, nove meses para ser rigoroso.
Resolve o Regente D. Pedro, em Oxford , conflitos sucessórios, quem diria, recebendo a "Ordem da Jarreteira" como símbolo da gratidão inglesa...
São múltiplos os contributos do Regente para a gramática da nossa língua portuguesa.
Poeta fez a primeira definição de poesia que não esqueceste de citar:
Poesia é mais sabor do que saber.
Falo com ele na Ilha do Corvo, e celebro as ausências com o vinho destas conversas.
Depois de te ler mandou-me dizer te que está agradecido pela tua justa devoção e que aprendeu que:
"Poesia é o sabor dos saberes".
Forte abraço.
Caro João Paulo Craveiro
Desculpe, mas acho este artigo pouco original, quando me lembro da conferência que fiz - e a que me deu a honra de assistir - nas comemorações dos 900 anos de Almedina. Refiro-me ao conjunto do texto, mas particularmente á parte final, em que termina - como eu terminei - com a citação do poema da Sophia. Além do mais, a conferência vai ser publicada, e quando o for ainda vão dizer que fui eu que plagiei o seu artigo! Francamente, não gostei.
O Dr. Horta Pinto enviou este comentário desagradado com o tom da crónica que seguiria uma comunicação por ele feita. Devo remeter para os 4 artigos por mim escritos em Maio de 2019 sobre o mesmo tema . Quanto à utilização do poema de Sophia (e outros elementos da biografia do Duque de Coimbra)não é novidade na minha defesa pública da figura de Dom Pedro como fiz, por exemplo, na discussão sobre a candidatura de Coimbra a capital europeia da Cultura que teve lugar na Alliance Française, muito antes destes artigos. Lamento que o Dr. Horta Pinto tenha ficado sentido mas, sinceramente, não vejo razão para tal. Não tive qualquer intenção de melindrar e esta pequena e singela crónica não é nem uma pálida imagem da brilhante comunicação que apresentou na junta de freguesia de Almedina. Abraço.
Enviar um comentário