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Se as condições ditadas pela Natureza foram a razão original que justifica a
localização de Coimbra, foi a acção do Homem ao longo dos tempos que construiu
a Cidade que hoje conhecemos, embora sempre limitada por aquelas condições
iniciais. Por exemplo, ouvem-se frequentemente comentários sobre uma diferença
de tratamento das duas margens, sendo que a margem direita é beneficiada
relativamente à esquerda, quase apelando de forma subliminar a sensibilidades
políticas. A realidade é que essa diferença tem uma razão de ser simples, muito
anterior a os mais moderados girondinos se terem sentado à direita na
Assembleia Nacional Constituinte da Revolução Francesa enquanto os mais
radicais jacobinos se sentavam à esquerda, assim se inaugurando historicamente
a diferença entre direita e esquerda. A Natureza dita, de forma imutável, que a
margem direita do rio Mondego apanhe luz solar durante a maior parte do dia,
enquanto a esquerda é sombria e mais húmida, logo com piores condições de
salubridade. Em consequência, a margem direita foi, desde sempre, mais
valorizada para habitação como, aliás, sucede em Lisboa e no Porto.
Claro que as novas técnicas de construção permitem artificializar ambientes,
diminuindo as desvantagens naturais, pelo que a ocupação urbana se vai
homogeneizando nas duas margens do rio. Contudo, o historial criou situações
urbanísticas na margem esquerda que hoje deveriam ser revistas procurando
introduzir qualidade urbana em boa parte de, pelo menos, as freguesias urbanas
de Sta. Clara e de S. Martinho do Bispo e Ribeira de Frades. Para tal seria
necessário estudar seriamente o existente de forma a permitir «agarrar» a
situação e encontrar soluções para diminuir a actual degradação e preparar um
futuro com qualidade urbana, através de um plano de urbanização adequado.
Mas, para quem conheceu Coimbra há 40/50 anos, a nossa cidade está muito
diferente, para melhor. Surgiram novas centralidades como a Solum e Celas,
dispondo hoje a cidade de infra-estruturas essenciais como vias circulares que,
em muito, beneficiam a circulação viária interna. Contudo, houve também
intervenções urbanas de fundo, levadas a cabo por diversas instituições, no
mínimo muito discutíveis. Infelizmente, a começar pela Universidade. O chamado
pólo1 foi alvo do maior crime patrimonial do século XX apadrinhado na altura
por poder local e órgãos dirigentes da Universidade. É hoje um conjunto de
edifícios históricos de uma beleza indiscutível lado a lado com outros muito
imponentes mas representantes de um gosto muito datado que marcou a necessidade
de afirmação de regimes não democráticos europeus, curiosamente de sinais
políticos opostos.
O pólo2, apesar da excelência da localização, permanece
inacabado, não logrando atingir o objectivo de «campus universitário». O pólo
3, o mais recente, é o exemplo acabado de se «tentar meter o Rossio na Betesga»
e, inacreditavelmente, ainda vai receber mais equipamentos, como o anunciado
Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento. Não colocando em questão a
necessidade destes equipamentos nem a vantagem de se localizarem em Coimbra,
penso ser evidente a falta de força (ao longo de muitos anos) da Autarquia que,
recordo, tem a legitimidade da vontade popular, para obrigar as outras
entidades a estudar em conjunto a optimização urbana da implantação dos novos
edifícios.
Coimbra tem sofrido também de um evidente abandono, para não dizer ataque
cruzado, por parte de entidades oficiais nacionais. O metro de superfície já foi
transformado num sistema de autocarros eléctricos. E não podemos considerar que
seja por acaso que a Estação Velha se mantenha no estado que todos conhecemos,
que o IC6 esteja inacabado, a A13 idem aspas aspas e que o IP3 seja aquilo que
é. As ligações de qualidade que servem Coimbra apenas o fazem em função dos
interesses de Lisboa e Porto. As ligações de Coimbra para o interior, isto é,
para as Beiras de que supostamente deveria ser a capital, ou são inexistentes
ou completamente ineficientes para os dias de hoje. A tão decantada
multi-polaridade da região Centro apenas tem servido para diminuir
artificialmente o papel que Coimbra sempre desempenhou na região, fazendo temer
as consequências, para a nossa cidade, da falada
descentralização/regionalização encapotada.
É por tudo isto, factores externos, mas também internos, que Coimbra tem que
se conhecer, tem que perceber os actuais contextos e tem que encontrar
consensos para além de partidarites para readquirir amor-próprio, fazer por si
própria e não aceitar mais ser menosprezada em nome de uma História riquíssima,
mas sobretudo pelos seus cidadãos, actuais e futuros.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Fevereiro de 2020
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