segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

COIMBRA E A SUA CIRCUNSTÂNCIA

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Se as condições ditadas pela Natureza foram a razão original que justifica a localização de Coimbra, foi a acção do Homem ao longo dos tempos que construiu a Cidade que hoje conhecemos, embora sempre limitada por aquelas condições iniciais. Por exemplo, ouvem-se frequentemente comentários sobre uma diferença de tratamento das duas margens, sendo que a margem direita é beneficiada relativamente à esquerda, quase apelando de forma subliminar a sensibilidades políticas. A realidade é que essa diferença tem uma razão de ser simples, muito anterior a os mais moderados girondinos se terem sentado à direita na Assembleia Nacional Constituinte da Revolução Francesa enquanto os mais radicais jacobinos se sentavam à esquerda, assim se inaugurando historicamente a diferença entre direita e esquerda. A Natureza dita, de forma imutável, que a margem direita do rio Mondego apanhe luz solar durante a maior parte do dia, enquanto a esquerda é sombria e mais húmida, logo com piores condições de salubridade. Em consequência, a margem direita foi, desde sempre, mais valorizada para habitação como, aliás, sucede em Lisboa e no Porto.
Claro que as novas técnicas de construção permitem artificializar ambientes, diminuindo as desvantagens naturais, pelo que a ocupação urbana se vai homogeneizando nas duas margens do rio. Contudo, o historial criou situações urbanísticas na margem esquerda que hoje deveriam ser revistas procurando introduzir qualidade urbana em boa parte de, pelo menos, as freguesias urbanas de Sta. Clara e de S. Martinho do Bispo e Ribeira de Frades. Para tal seria necessário estudar seriamente o existente de forma a permitir «agarrar» a situação e encontrar soluções para diminuir a actual degradação e preparar um futuro com qualidade urbana, através de um plano de urbanização adequado.
Mas, para quem conheceu Coimbra há 40/50 anos, a nossa cidade está muito diferente, para melhor. Surgiram novas centralidades como a Solum e Celas, dispondo hoje a cidade de infra-estruturas essenciais como vias circulares que, em muito, beneficiam a circulação viária interna. Contudo, houve também intervenções urbanas de fundo, levadas a cabo por diversas instituições, no mínimo muito discutíveis. Infelizmente, a começar pela Universidade. O chamado pólo1 foi alvo do maior crime patrimonial do século XX apadrinhado na altura por poder local e órgãos dirigentes da Universidade. É hoje um conjunto de edifícios históricos de uma beleza indiscutível lado a lado com outros muito imponentes mas representantes de um gosto muito datado que marcou a necessidade de afirmação de regimes não democráticos europeus, curiosamente de sinais políticos opostos. 
O pólo2, apesar da excelência da localização, permanece inacabado, não logrando atingir o objectivo de «campus universitário». O pólo 3, o mais recente, é o exemplo acabado de se «tentar meter o Rossio na Betesga» e, inacreditavelmente, ainda vai receber mais equipamentos, como o anunciado Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento. Não colocando em questão a necessidade destes equipamentos nem a vantagem de se localizarem em Coimbra, penso ser evidente a falta de força (ao longo de muitos anos) da Autarquia que, recordo, tem a legitimidade da vontade popular, para obrigar as outras entidades a estudar em conjunto a optimização urbana da implantação dos novos edifícios.
Coimbra tem sofrido também de um evidente abandono, para não dizer ataque cruzado, por parte de entidades oficiais nacionais. O metro de superfície já foi transformado num sistema de autocarros eléctricos. E não podemos considerar que seja por acaso que a Estação Velha se mantenha no estado que todos conhecemos, que o IC6 esteja inacabado, a A13 idem aspas aspas e que o IP3 seja aquilo que é. As ligações de qualidade que servem Coimbra apenas o fazem em função dos interesses de Lisboa e Porto. As ligações de Coimbra para o interior, isto é, para as Beiras de que supostamente deveria ser a capital, ou são inexistentes ou completamente ineficientes para os dias de hoje. A tão decantada multi-polaridade da região Centro apenas tem servido para diminuir artificialmente o papel que Coimbra sempre desempenhou na região, fazendo temer as consequências, para a nossa cidade, da falada descentralização/regionalização encapotada.
É por tudo isto, factores externos, mas também internos, que Coimbra tem que se conhecer, tem que perceber os actuais contextos e tem que encontrar consensos para além de partidarites para readquirir amor-próprio, fazer por si própria e não aceitar mais ser menosprezada em nome de uma História riquíssima, mas sobretudo pelos seus cidadãos, actuais e futuros.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Fevereiro de 2020

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