Para não ir mais longe, a Revolução Francesa aconteceu pela
revolta popular contra as miseráveis condições de vida da generalidade do povo
no “ancient regime”. Os grandes orientadores da revolução chamavam-se Danton,
Marat e Robespierre como aprendemos na História do Liceu. Tal como aprendemos
que os excessos da revolução vieram a desembocar no Terror e em Napoleão que a
si próprio se coroou Imperador, contra todos os princípios e objectivos da
Revolução republicana. E também aprendemos que o rei Luiz XVI, símbolo do
absolutismo, tal como a sua mulher Antonieta foram decapitados durante o
processo revolucionário através de uma máquina inventada por um médico, cujo
objectivo era proporcionar uma morte rápida e, eventualmente, sem sofrimento, embora
ninguém pudesse confirmar esse aspecto. Mas os próprios Danton e Robespierre
foram cilindrados pela revolução que iniciaram e acabaram com a cabeça cortada
pela guilhotina, acusados de contra-revolucionários. Já Marat também não
sobreviveu à revolução devido a uma rapariga chamada Charlotte Corday que o
apunhalou enquanto tomava banho. Marat chamava “inimigos do povo” aos que
achava que deviam fazer parte dos milhares que foram vítimas da máquina do Dr.
Guillotin durante os anos quentes da revolução. O povo parisiense foi levado a
acções bárbaras em nome de uma causa justa, sintetizada em Liberdade, Igualdade
e Fraternidade. Mas não foi este o único caso da História.
Em 1917, um punhado de ideólogos comunistas russos levou o povo
a acompanhá-los numa revolução de uma violência extrema em nome da Igualdade e
da Justiça Social que seriam o corolário da sua acção. Claro que, para atingir
esses bons objectivos, seria necessário eliminar os “inimigos do povo”,
recuperando o termo inventado cem anos antes por Marat. O regime de repressão
que se lhe seguiu durou mais de setenta anos, terminando apenas em 1989. Também
neste caso o povo, sob o apelo de causas justas, seguiu líderes que apenas
queriam substituir um regime absolutista pelo deles próprios. E também neste
caso muitos dos principais defensores da revolta foram cilindrados pelo
processo, começando simbolicamente pelos marinheiros de Kronstadt.
Não se consegue compreender a adesão do povo alemão às ideias
de um Hitler no início dos anos trinta do século passado, sem que se perceba
que, de alguma forma, ele apelava à injustiça do sofrimento decorrente das
cláusulas dos tratados de Versalhes. A coberto desse apelo, os nazis
implantaram o mais bárbaro dos regimes políticos. Também eles não passaram sem
liquidar em primeiro lugar os seus que lhes poderiam fazer frente, na “noite
das facas longas”. Depois de ter acreditado na bondade de Hitler o povo alemão
veio a ser vítima das escolhas do seu líder, acabando numa derrota com
sofrimentos inomináveis após levar todo o mundo à guerra mais mortífera de
sempre.
As preocupações com justiça e igualdade serviram ao longo da
História, e continuam a servir, como biombo para fazer passar ideologias que
não têm nada a ver com elas sendo os seus defensores capazes das maiores
manipulações para levar os seus objectivos avante, usando os sentimentos
precisamente daqueles que mais têm fome de justiça, começando pelos jovens e os
que, de uma forma de outra, são objecto de discriminação.
O racismo é uma das maiores e mais vergonhosas injustiças que a
humanidade alguma vez inventou. Nasce da sensação de que se é superior só por
se ter a pele de uma determinada cor. A ciência da genética ensina-nos hoje que
na Humanidade não há raças, isto é, à injustiça da discriminação o racismo soma
a ignorância, pelo que a luta contra o racismo é, sem dúvida, uma luta justa.
O
nosso tempo histórico é precisamente aquele em que o racismo é mais condenado com
expressão nas legislações nacionais dos mais diversos países e também nos
convénios internacionais como a Declaração dos Direitos Humanos. Pode
perguntar-se: ainda há muito a fazer? Há, muitos de nós têm ainda um caminho
pessoal a percorrer para abandonar definitivamente os complexos de origem
racista.
Outra coisa são as manifestações que se têm visto, com
interesses políticos a levar pessoas a escrever barbaridades e ter
comportamentos lamentáveis a todos os títulos. Por mais que depois se
demarquem, só quem não quer é que não percebe o interesse em extremar
artificialmente as situações, fazendo ao mesmo tempo passar a sua mensagem
política extremista. Mais uma vez pessoas sinceramente revoltadas com injustiça
são descaradamente manipuladas por quem está apenas interessado na sua agenda
ideológica, como tantas vezes tem acontecido na História.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra na edição de 15 de Junho de 2020
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