Não bastava a utilização da narrativa do suposto «Ronaldo das Finanças», os portugueses têm ainda que suportar uma tese de perseguição pessoal a Centeno.
Quando Portugal venceu o campeonato da Europa de futebol, feito inédito para o nosso desporto, Mário Centeno resolveu surgir na reunião dos ministros da Europa adornado com um cachecol da selecção nacional. Motivo para o ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble fazer uma graça comentando que Centeno era o Ronaldo das finanças. Tanto bastou para que a propaganda governamental assim começasse a tratar o agora ex-ministro, tendo a expressão passado para os jornais com extrema facilidade, elevando as capacidades de Mário Centeno aos píncaros de melhor do mundo, que é o que Cristiano Ronaldo é como jogador de futebol.
Todos devemos estar recordados de, em finais de 2015 e na sequência da formação do Governo PS sustentado pelo BE e pelo PCP, ter sido apresentado um Orçamento de Estado elaborado de acordo com os princípios do plano económico eleitoral que Centeno tinha coordenado. Enviado para Bruxelas, o projecto foi devolvido à procedência, tendo sido completamente alterado de acordo com os ditames europeus. A partir daí, em todos os seus orçamentos posteriores, o princípio adoptado foi o de baixar o défice de acordo com as regras europeias. Evidentemente, como isso seria conseguido já não era um problema de Bruxelas.
Foi assim que os sucessivos orçamentos de Centeno foram sendo aprovados pela Esquerda no Parlamento com a justificação de esquecerem a austeridade anterior e promoverem o investimento público. E todos os anos esses mesmos parceiros de esquerda iam fingindo não ver que a execução orçamental “esquecia” o tal investimento público previsto alterando completamente o equilíbrio proposto e aprovado na Assembleia da República. Tal como as famosas “cativações” que, em vez de instrumento de controlo da despesa, passaram a ser processo de evitar orçamentos rectificativos. Ou a dimensão da carga fiscal, a maior da democracia, obtida essencialmente com impostos indirectos, os socialmente mais injustos. Como estamos em Coimbra, cidade em que a Saúde constitui uma área fundamental, o exemplo dos investimentos no CHUC ao longo dos anos Centeno nas Finanças é paradigmático: nos anos de chumbo da «troica» o investimento variou de 1.265.764€ a 2.905.956€. Mas em 2015 já foi de 9.973.975€, descendo para o nível dos 4 milhões em 2016, 2017 e 2018, só recuperando para o patamar dos 9 milhões em 2019, ainda assim abaixo de 2015.
Terminado o seu «ciclo» privado, Centeno entendeu ser chegada a hora de ir para Governador do Banco de Portugal. Ciclo privado, porque a nível nacional não terminou ciclo nenhum antes pelo contrário, já que as eleições legislativas ocorreram há nove meses e o país atravessa agora um período de crise económica e social gravíssima decorrente da pandemia COVID-19. Ainda assim, o Dr. Mário Centeno entendeu pôr-se a andar e entregar a pasta num momento dificílimo para as finanças do país, quando o próprio Banco de Portugal prevê uma queda de 9,5% do PIB, enquanto o Orçamento rectificativo da sua autoria se baseia numa queda de 6,9%. A passagem de um ministro das Finanças directamente para Governador de um banco central é, nos dias de hoje de um país da União Europeia perfeitamente incompreensível e inaceitável. A desculpa do sucedido no passado não colhe porque até 1994 o Banco de Portugal funcionava sob a tutela do Ministério das Finanças, devendo aplicar a política monetária governamental. Contudo, desde a criação da União Económica e Monetária, os bancos centrais passaram a ter funções essencialmente regulatórias, daí decorrendo que devem ser independentes dos governos.
A passagem directa do Dr. Centeno para o Banco de Portugal significaria que iria tratar de forma supostamente independente daquilo que foram as suas próprias acções como ministro das Finanças, por exemplo a venda do Novo Banco, a resolução do BANIF, as transferências para a CGD e os créditos fiscais do Montepio, para citar só algumas.
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