segunda-feira, 31 de maio de 2021

As duas faces

 


«Dizem que os que governam são espelho da república; não é assim, senão ao contrário. A República é o espelho dos que a governam.».
Padre António Vieira

Qual o efeito da liberdade individual absoluta? A eliminação dos mais fracos pelos mais fortes e a destruição da sociedade como um todo e sim, este resultado já foi verificado. Qual o efeito da igualdade absoluta? A impossibilidade de afirmação pessoal e a destruição da sociedade como um todo e sim, este resultado já foi verificado. Penso que o simples enunciado do resultado da aplicação extremista dos dois valores que mais se ouvem defender será suficiente para entender que a defesa levada ao extremo da direita ou da esquerda só pode conduzir a maus resultados.

Contudo, o ambiente político parece querer fazer esquecer estas constatações simples e que, perante a História, deveriam ser evidentes para toda a gente. As questões concretas da governação que deveriam merecer a atenção de todos são substituídas por afirmações casuísticas e bombásticas que tentam colocar o interesse colectivo na culpabilização dos respectivos adversários extremos e não na resolução dos problemas concretos do país.

E, no entanto, Portugal encontra-se numa situação de encruzilhada que exige coragem e determinação para encontrar as soluções que signifiquem uma efectiva escolha de um caminho que leve a um futuro melhor para os nossos filhos e netos.

Há duas décadas que o nosso crescimento económico praticamente estagnou. Após o euro e a entrada dos países que antes da queda do muro de Berlim pertenciam ao Pacto de Varsóvia, Portugal nunca mais conseguiu libertar-se do peso de uma dívida externa crescente e de uma baixa produtividade que impede os salários de crescerem de forma sustentada. Antes pelo contrário, o salário mínimo que é definido de forma administrativa aproxima-se perigosamente do salário médio dos portugueses, esse sim definido pela contratação livre. Mais de 40% dos agregados familiares dos portugueses recebe menos de 10.000 euros….por ano! A descida é de tal forma que, em média, os portugueses recebem menos 115 euros mensais do que há dez anos. Isto enquanto a carga fiscal continuou a aumentar em 2020, mesmo em pandemia, suportando os portugueses uma das maiores pressões fiscais da Europa e, ainda por cima, pagamos das energias eléctricas e combustíveis mais caras, fruto dos impostos e das garantias de preços governamentais. O ranking das escolas veio mais uma vez mostrar a inépcia e incompetência dos decisores das políticas educativas que cada vez mais cavam profundas falhas sociais. O relatório do Tribunal de Contas sobre as PPP na saúde desmontou todo um conceito estatizante da política de saúde, enquanto a hipocrisia sobre a matéria campeia com o domínio claro de corporações do sector. O tempo que os processos judiciais demoram a ver decisões definitivas em Portugal deve ser um record mundial e é-o certamente no campo das democracias. Quando a noção pública de nível de corrupção é o que todos sabemos, levantam-se todos os obstáculos a que  se obrigue os políticos que exibem sinais de riqueza estranhos a justificarem a origem do dinheiro. Tudo isto, e muito mais há a apontar, enquanto a riqueza produzida cada vez mais nos leva para a cauda da Europa.

O estado actual do país não é obra do acaso, sendo consequência das políticas igualitaristas seguidas desde 1995, com curtos interregnos ditados pela pré-bancarrota de 2002 e pela bancarrota a sério de 2011, exacerbadas nos últimos seis anos fruto do cerco político ao PS montado pela extrema-esquerda para lhe autorizar a governação.

Que o país precisa de mudar de rumo parece, pois, evidente. Que os mesmos que nos trouxeram aqui nunca o farão, também não levantará muitas dúvidas. A responsabilidade da mudança necessária cai, portanto, e necessariamente em Democracia, na oposição, neste caso à direita, mais concretamente ao PSD.

E é aqui que se coloca a questão actual. Perante o exemplo dos resultados de uma política refém de extremistas, é obrigação do PSD apresentar uma alternativa forte, afirmativa e concreta para resolução dos problemas do país, capaz de suscitar o apoio eleitoral necessário por si, sem cedências à extrema-direita. Nunca se poderá deixar colocar na posição em que o PS se colocou perante os extremistas da esquerda, PCP e BE. Não pode sequer autorizar que se instale na opinião pública a ideia de que um pragmatismo pós-eleitoral poderá vir a justificar um acordo com o Chega, seja ele de que tipo for. O país nunca lho perdoaria e os resultados de uma governação decorrente de um tal tipo de acordo seriam a continuação do desastre nacional, com outras cambiantes, mas um desastre na mesma.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Maio de 2021

Fotos recolhidas na internet

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