Há poucos dias a PSP divulgou ter realizado uma acção de controlo de corridas ilegais de automóveis nas ruas da nossa Cidade. Só podemos bater palmas e agradecer por essa acção. Mas não chega. O problema das corridas de carros transformados existe, mas restringe-se a determinados locais bem conhecidos só sendo surpreendente que não haja mais acções policiais nos dias em que toda a gente sabe que se realizam. Mas o problema do excesso de velocidade nas nossas ruas é muito mais vasto, perigoso e resulta de vários factores que concorrem todos para que seja uma realidade diária um pouco por toda a cidade.
A falta de policiamento permanente e eficaz é uma evidência diária. Por alguma razão, seja por falta de dinheiro ou de pessoal efectivo para andar nas ruas, seja por uma qualquer política policial estratégica, para além de alguma viatura da polícia a passar de vez em quando ou haver operações stop em determinados locais, quase sempre os mesmos, não há policiamento nas ruas. Nem é uma questão apenas de trânsito, é também a segurança geral nas ruas que está em causa e não vale a pena atirarem-nos areia para os olhos com estatísticas fantásticas de segurança: como eu já vi apenas por andar na rua, a distribuição de droga entre a baixa e a Praça da República, por exemplo, é praticada às escâncaras sem qualquer tipo de problema.
O crescimento urbano de Coimbra durante o século XX verificou-se como em quase todo o país privilegiando a utilização do automóvel, à qual todos os outros modos de transporte são subordinados. Com a agravante de não ter havido planeamento urbanístico, pelo que não existe hierarquia viária consistente.
Assistimos hoje em dia em todo o mundo a uma mudança muito rápida do paradigma da mobilidade urbana, com recuperação de modos tradicionais mas alterados com a evolução tecnológica, como as bicicletas ou as trotinetas, além de se passar também a percorrer distâncias maiores a pé. Todas estas mudanças exigem das autoridades públicas uma nova maneira de encarar a mobilidade urbana, criando condições de convivência segura entre os diversos modos de transporte, sem esquecer as políticas de estacionamento e de transporte público que deverão ser interligadas e eficientes do ponto de vista ambiental, mas também económico.
A velocidade prevista no Código da Estrada para a circulação no interior das localidades, que é de 50Km/h não é cumprida pela maior parte dos condutores apesar de, em muitas situações, aquele valor já ser em si excessivo. Por isso, as autoridades municipais deveriam ter um cuidado muito particular em proteger os utentes, em particular os peões, em determinadas situações concretas. Por exemplo, nas proximidades de zonas escolares, a velocidade máxima deveria ser restringida a 30Km/h. Tal como as passadeiras de peões semaforizadas deveriam ser todas dotadas de sistemas de radar detector de excesso de velocidade à aproximação de veículos com a dupla função de proteger os peões e restringir a velocidade de circulação. A título de exemplo recordo que, em Paris, a presidente da câmara municipal Anne Hidalgo anunciou que todos os transportes municipais vão circular a um máximo de 30Km/ a partir de 30 de Agosto.
O nosso Código da Estrada prevê, desde as alterações de 2013, a possibilidade de serem criadas Zonas de Coexistência, onde o peão é considerado como elemento privilegiado em relação ao tráfego motorizado e onde é imposta a velocidade máxima de 20 Km/h. Estas zonas têm muitas vantagens relativamente ao corte puro e simples da circulação automóvel. Mas a resistência à mudança de mentalidades e de capacidade de resposta às novas exigências de cidadania por parte das nossas autarquias é tão grande que não se conhece ainda qualquer criação de Zona de Coexistência deste tipo. Coimbra não foge à regra. Já que estamos em campanha eleitoral autárquica, que tal as candidaturas abordarem este tema? Estas zonas são já vulgares em países como a Alemanha, o Reino Unido, Suécia, Dinamarca, França, Japão, Israel e Suíça, pelo que nem será preciso inventar nada.
Curiosamente, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária publicou em 2020 um Manual de Apoio às Zonas Residenciais e de Coexistência que fornece apoio técnico às autarquias que pretendam adoptar esta solução para áreas específicas das cidades, pelo que nem a falta de normalização e regulamentação pode ser apontada como desculpa para a sua não concretização. Acresce, como pormenor interessante para Coimbra, que da equipa técnico-científica do referido Manual fazem parte dois distintos colegas engenheiros professores de Eng. Civil da nossa Universidade, o Prof. Doutor Álvaro Seco e a Prof. Ana Bastos Silva, pelo que o apoio científico para a melhoria da nossa cidade nestes aspectos está, como se costuma dizer, à mão de semear. É só uma questão de vontade política.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Agosto de 2021
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