segunda-feira, 9 de agosto de 2021

O estado da Nação


Realizou-se há poucos dias o chamado «debate sobre o estado da Nação» na Assembleia da República. Se a intenção destes debates é a indicada no título, na realidade o debate foi sobre o estado dos partidos políticos, tendo-se deliberadamente escondido o que interessaria discutir. O partido do governo a debater a real situação do país, de que é largamente responsável, mostrou estar mais interessado em garantir o apoio dos comunistas para a aprovação do próximo Orçamento de Estado, o mesmo é dizer garantir a sua sobrevivência. Como é seu timbre, o PCP respondeu colocando de imediato as suas cartas na mesa. Já o Bloco de Esquerda continua indeciso entre assumir as suas responsabilidades na defunta geringonça com as temidas possíveis consequências a nível eleitoral ou assumir-se definitivamente como oposição clara ao governo socialista e às suas políticas. À direita, bem, à direita a deputada do CDS Cecília Meireles foi uma excepção evidenciando mais uma vez as suas capacidades parlamentares no meio do deserto de ideias e de intervenção efectiva das bancadas à direita da do PS, não se percebendo se tal se deve a preguiça ou a um sonho de que o poder lhes caia nas mãos aos trambolhões. O PSD primou praticamente pela inexistência e, quando tentou levantar a cabeça, melhor fora que não o tivesse feito.

E se o estado da Nação precisa de ser dissecado e discutido! O problema maior é mesmo por onde começar, já que há vinte anos que o país praticamente não cresce, a não ser na dívida. Apesar dos milhões recebidos da União Europeia, Portugal continua na sua rota descendente do ranking de riqueza dos países da União a 27: em 1995 éramos o 15º, em 2015 já éramos o 17º e em 2020 passámos para 19º. Entre 1995 e 2020, Portugal e a Grécia foram, de longe, os países da União que mais se afastaram da convergência em termos de PIB per capita em PPC. Como resultado, o PIB per capita de Portugal relativamente à média da União Europeia passou de 72% em 1995, para 68% em 2010 e 66% em 2019. Realço que durante os últimos 25 anos, recebemos da EU uma média de 9 milhões de euros por dia, todos esses 9.125 dias, essencialmente destinados a fazer-nos convergir com a UE. Relembro igualmente que, nesses 25 anos, o PS governou em 17 anos e o PSD/CDS nos restantes, sendo que em 2002 sob castigo por défice excessivo e em 2012 para aplicar o programa negociado pelo governo socialista com a troika chamada pelo mesmo governo após a desgraça da sua governação. O esforço fiscal suportado pelos portugueses é dos maiores da Europa, razão dos altíssimos preços da energia eléctrica e combustíveis que temos que pagar. A realidade é o que foi e o que é e não outra coisa qualquer, acabando como sempre, por se impor às «narrativas» enganadoras.


As moratórias que andam pelas várias dezenas de milhares de milhões de euros, boa parte delas não serão satisfeitas e, como os bancos não as poderão incluir nas suas folhas de balanço, haverá falências em série ou o Estado as avalizará, com subida vertiginosa da dívida pública que já ultrapassa os 270 mil milhões de euros.

O mágico plano dito da Recuperação e da Resiliência, ainda mal chegou o primeiro cheque, já está com mais de 40% de destino definido. Há dias a Área Metropolitana da Lisboa anunciou que fez a maior encomenda de autocarros de sempre. Por seu lado, a CP anunciou encomenda de idêntica classificação de material circulante. A Infra-Estruturas de Portugal anunciou planos para construir uma «auto-estrada» ferroviária entre Lisboa e Porto. A TAP, como se uma companhia aérea fosse um desígnio nacional, que não é, absorve milhões do erário público para o destino que se adivinha: uma companhia aérea pequenina e irrelevante vendida à Lufthansa ou outra semelhante. O PRR destinou 5,5 mil milhões de euros para replicar umas tais «novas oportunidades» socráticas de má memória que entregaram diplomas por todo o país aos milhares sem que se visse resultado na produtividade nacional; mas assim se «acalmam» sindicatos e associações patronais.

Como se vê, nada que já não tivéssemos visto antes. Os portugueses, históricos nefelibatas encartados, imaginarão que com as mesmas políticas levadas a cabo pelas mesmíssimas pessoas se chegará a resultados diferentes dos anteriores. Engano fatal. Se já caminhávamos, tristes e empobrecidos, para o lugar humilhante do pedinte mais pobre da União Europeia, as consequências sociais e económicas da pandemia só vieram apressar essa viagem. Alguns culpam o Euro pelo que nos está a suceder. Mentem, porque sabem perfeitamente que o que mudou foram as circunstâncias decorrentes do Euro, isto é, perda de domínio sobre taxas de câmbio e de juro, bem como da inflação. E os governantes continuaram a agir como se tal mudança radical não tivesse acontecido, com as consequências de défices públicos (mesmo que hábil mas temporariamente escondidos) e dívidas pública e privada crescentemente incomportáveis acompanhadas por produtividade deficiente e inerentes ordenados cada vez mais afastados das médias europeias.

Este, o verdadeiro «estado da Nação» por todos os partidos, cada um pelas suas razões próprias, escondido dos portugueses.

 Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Agosto de 2021

Imagens recolhidas na internet

 

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