terça-feira, 14 de dezembro de 2021

AS ELEIÇÕES MAIS IMPORTANTES

 


O Presidente da República dissolveu a Assembleia da República, pelo que vamos ter eleições legislativas no próximo dia 30 de Janeiro. Esta dissolução, anunciada previamente, caso tal sucedesse, segue-se à não aprovação da proposta governamental do Orçamento de Estado para 2022. A “frente popular” à portuguesa que ficará conhecida na História como “geringonça” terminou na discussão do OE/22, havendo acusações mútuas dos seus participantes sobre a inexistência de acordo para outro OE, como vinha acontecendo sucessivamente desde 2016. Para quem observa de fora, estas conversações falhadas tiveram uma grande semelhança com aquelas que o PS ainda ensaiou com o PSD na sequência das eleições de 2015, não sendo ambas mais do que uma demonstração de pura hipocrisia, já que os objectivos socialistas estavam noutro lado. Em 2015 e em 2021.

Os partidos, e a comunicação social em geral acompanha-os, passam agora por uma fase em que se discute muito as listas para deputados, como se os problemas do país se resumissem a isso. Poder-se-ia até pensar que os partidos estão mais uma vez a pensar nos seus umbigos. Nada de mais errado, o que na realidade está em curso é uma fuga à realidade da situação do país, a nível económico, mas também social. E os responsáveis políticos fazem os possíveis e os impossíveis por escamotear os verdadeiros problemas, numa altura em que é crucial para o nosso futuro colectivo que se tomem decisões firmes e, durante alguns anos eventualmente desagradáveis para muitos portugueses.

A falta de trabalhadores em muitas áreas, associada a uma baixa taxa de desemprego é apenas uma das disfunções graves da nossa economia. Outra é o facto de 25% dos trabalhadores por conta de outrem ganharem apenas o ordenado mínimo sendo que, quanto aos jovens, essa percentagem anda pelos 40%. O ordenado mínimo cresce administrativamente por decisão governamental e vale hoje, cerca de 65% do ordenado médio dos trabalhadores portugueses. Chegou-se à loucura de o Governo aumentar o ordenado mínimo, que mesmo assim é uma vergonha ao pé dos nossos parceiros europeus, e depois vir prestar ajuda às empresas que têm dificuldade em pagá-lo. Ajuda essa que, claro, vem dos impostos pagos pelos outros portugueses e pelas outras empresas. A realidade é que o nível de desemprego só se mantém baixo pelos ordenados miseráveis pagos por milhares de empresas que não têm qualquer viabilidade económica num mercado competitivo.

Isto quando os vencimentos dos trabalhadores reflectem obrigatoriamente a produtividade da economia, residindo aqui outra das nossas graves disfunções económicas. Portugal ocupava, no ano 2000, o 17º lugar no ranking da produtividade do trabalho entre os países europeus. Vinte anos depois, em 2020, passámos para o 21º lugar.

Em simultâneo, a nossa dívida externa continuou a crescer estando sistematicamente muito acima dos 120% do produto, enquanto a carga fiscal está a um nível nunca antes alcançado. O Estado, só nos anos do Governo da Geringonça/Frente Popular, deu emprego a mais de 70.000 trabalhadores, com as correspondentes despesas correntes a crescer nas contas do Orçamento de Estado. O que é tanto mais incompreensível quanto há falta de professores nas escolas e de profissionais da saúde no SNS: os hospitais têm falta aflitiva de médicos e enfermeiros e o nº de portugueses sem médico de família cresceu durante estes anos até atingir um milhão.

A situação económica do país degradou-se nestes últimos anos de uma forma incompreensível, dados os sacrifícios que os portugueses suportaram com a chamada da troica pelos desmandos dos governos de Sócrates e a retoma iniciada em 2014/2015 que deveria ter tido continuidade crescente, e não teve. O falhanço da “geringonça” está à vista de todos e, neste momento, Portugal só não está numa situação semelhante a 2011 por conta das políticas europeias, designadamente do BCE, quanto a taxas de juro e compra da nossa dívida pública, assim se substituindo, na prática, aos mercados. Mas a realidade vai acabar por se impor, seja pela subida da inflação que já aí está, seja pela impossibilidade de manter indefinidamente a compra sistemática de dívida soberana pelo BCE.

É perante estes problemas estruturais que estão a degradar o Estado Social e nos estão a tornar cada vez mais pobres a caminho do último lugar na União Europeia, que devemos exigir aos partidos posições claras e opções concretas para mudar de caminho em vez de afirmações genéricas que nada significam e tudo permitem. Por tudo isto, e muito mais, se há eleições cruciais para o nosso futuro colectivo são as do próximo dia 30 de Janeiro. Cabe aos partidos não defraudarem as expectativas dos portugueses com fantasias nem discussões estéreis que só servem para enganar a realidade. Além de, claro, esclarecer devidamente qual será a política de alianças pós-eleitorais, o que vale tanto para o PS como para o PSD, já que daí virá boa parte da escolha dos eleitores.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Dezembro de 2021

Imagem retirada da internet

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