Passaram ontem 637 anos sobre a Batalha de Aljubarrota ocorrida em 14 de Agosto de 1385. Como sabemos todos os da minha geração, que aprendemos a nossa História nos anos 60, tratou-se de uma batalha crucial para a manutenção da independência de Portugal após a morte do Rei D. Fernando. Infelizmente, esse período épico do nosso passado colectivo era abordado sob uma perspectiva eminentemente nacionalista e o próprio D. João I surgia claramente diminuído perante o seu Condestável D. Nuno Álvares Pereira. É conhecida a diferença fundamental entre o nacionalismo e o patriotismo, conceitos tantas vezes confundidos com objectivos nem sempre claros. Enquanto este último reflecte o amor e respeito pelos seus concidadãos enquanto colectivo com o seu passado e também o presente, o seu território e mesmo os seus próprios valores e tradições, aquele traduz-se num desrespeito e menor consideração pelo outro, pelo diferente, sempre considerado inferior. Um patriota defende aquilo a que pertence perante os ataques exteriores, enquanto o nacionalista conflitua em permanência. Simplificando, sentimentos de amor e de ódio que infelizmente, como com frequência sucede na vida, se entrelaçam por vezes numa relação de amor/ódio.
Os ataques do rei de Castela Dom João I seguiram-se às Cortes de Coimbra realizadas entre Março e Abril de 1385. Uma das razões apresentadas por João das Regras para rejeitar D. João I de Castela casado com D. Beatriz, a única filha do falecido Rei D. Fernando, talvez mesmo a definitiva, teve a ver com o facto de o rei castelhano ter já invadido Portugal causando dano ao país, ao contrário do jurado solenemente aquando do seu casamento. Haja em vista o terrível cerco a Lisboa montado pelo rei castelhano de que a cidade só se salvou pela peste que lavrou pelos sitiantes. Depois da morte do popularmente odiado Conde Andeiro o Mestre de Avis havia já sido escolhido pelo povo de Lisboa como seu protector, diríamos hoje líder, mas nas Cortes de Coimbra foi legitimado como Rei. Era o culminar, legal sob todos os pontos de vista, de uma autêntica revolução popular que rejeitou por todo o país, a partir de Lisboa, todos os grandes e poderosos que em Portugal apoiavam o rei castelhano, fruto de favores e dádivas por parte deste, mas também de ligações antigas e rejeição do filho do Rei D. Pedro e de Teresa Lourenço por grande parte da alta fidalguia do Centro e Norte do país.
Ao novo Rei D. João I de Portugal juntou-se D. Nuno Álvares Pereira, nomeado Condestável, autoridade militar máxima de então que já dera anteriormente provas da sua competência na arte da guerra, nomeadamente nos Atoleiros em 6 de Abril de 1384.
Como era obrigatório pelas leis medievais não escritas, foi o próprio rei castelhano, apesar de enfraquecido pela doença, que comandou a invasão a Portugal com o intuito de retirar a Coroa a D. João I de Portugal a quem depreciativamente continuava a chamar Mestre de Avis. Os exércitos castelhano e português acabaram por se defrontar perto de Porto de Mós ao fim da tarde do dia 14 de Agosto de 1385. Tratou-se de uma batalha real porque os dois exércitos eram comandados pelos reis dos dois países, com todas as consequências que a vitória, de um lado ou do outro, acarretaria. Há diversas versões sobre as dimensões dos dois exércitos, variando a relação entre eles entre um para três e um para cinco, sempre favorável ao castelhano. Certo e seguro é que ao fim de uma hora de peleja a bandeira real de Castela foi derrubada, após o que se seguiu a fuga do rei castelhano e a debandada dos seus exércitos. A descrição detalhada da batalha, da sua preparação pelo Condestável e do sucedido nos dias seguintes pode ser lida no excelente livro «Aljubarrota Revisitada» coordenado por João Gouveia Monteiro editado em 2001 pela Imprensa da Universidade de Coimbra, cuja leitura atenta é recomendável; nesta obra é possível conhecer os elementos que a ciência dos dias de hoje permite obter, a somar à informação histórica, nomeadamente a transmitida pelo cronista Fernão Lopes. Também a informação histórica sobre este período importante e interessantíssimo da História de Portugal pode ser obtida com grande vantagem cultural na notável biografia de D. João I da autoria de Maria Helena da Cruz Coelho recentemente reeditada pela Bertrand.
Depois da crise de 1383/85 Portugal veio a conhecer um período nunca igualado na nossa História, impossível de imaginar no momento inicial da morte do Conde Andeiro. O patriotismo revelado pelo povo e alguns nobres naquela época impôs-se perante a vontade de dominação do poderoso vizinho ibérico e é ainda hoje uma lição para todos nós.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Agosto 2022
Imagens retiradas da internet
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