segunda-feira, 8 de agosto de 2022

“Silly season”, mas pouco

 


Está mais ou menos estabelecido que a época do ano que vivemos seja considerada a «estação pateta», traduzindo para português o termo que vai no título desta crónica que procura também não fugir muito à tradição. Claro que nos dias que atravessamos a realidade vem chocar de frente com as pretensões de patetice ultrapassando mesmo, por vezes, as tentativas mais rebuscadas de viver de forma leve e ligeira, como a praia pede e as revistas confirmam.

E assim, às declarações que ficam por provar do presidente da empresa eléctrica Endesa o primeiro-Ministro não encontrou melhor maneira de responder com instruções aos diversos serviços do Estado com contratos com aquela empresa do que passarem a enviar as respectivas ao sec. de Estado Galamba para recolherem o visto para autorização de pagamento. Conheço bem esta situação porque já em tempos trabalhei numa empresa em que o responsável máximo todos os meses punha de lado cerca de dez por cento das facturas para pagar e pedia uma justificação da mesma; a resposta era invariavelmente juntar uma cópia do contrato a que se referia e assim se ultrapassava a situação, mas ficava sempre a ligeira sensação de colaborar na gestão de uma mercearia e não de um grande grupo económico. Nesta questão com a Endesa fico a mesma sensação, agora relativa ao Estado que temos e ainda com a ideia desagradável de que as empresas afinal têm que andar alinhadinhas com o Governo que está, a lembrar os tempos do «condicionamento industrial». Mas, claro, estamos em Agosto!

Nenhuma surpresa foi a «descoberta» de muitos casos de abuso sexual praticado por clérigos da Igreja. Já surpreendente foi a reacção de bispos e cardeais ao saberem de tarados à solta na Igreja e reagirem apenas mudando-os para novos locais de prática de crimes. Já o presidente da nossa República mete os pés pelas mãos a defender os clérigos máximos não se ouvindo uma palavra de solidariedade para com os ofendidos. Mas, claro, estamos em Agosto!


As notícias de encerramento de urgências de obstetrícia entraram na normalidade diária, sem que se veja sombra da ministra responsável, para além de ter acenado com mais dinheiro para as horas extraordinárias dos médicos. As outras urgências parece que vão pelo mesmo caminho. Ainda me lembro de quando os governos tinham a preocupação de reforçar os hospitais do Algarve em Agosto pelo aumento da população presente; agora parece que por lá todos os meses do ano se chamam Agosto e ninguém acha estranho. E um pouco por todo o país as mulheres em risco de parto eminente são mesmo aconselhadas a visitar a SNS24 antes de saírem de casa. Palhaçada maior será impossível mas lá está, estamos em Agosto.

A Amnistia Internacional acusa a Ucrânia de esconder militares por detrás de civis. Relembro que a Ucrânia foi invadida pela Rússia que bombardeia sistematicamente as cidades ucranianas, matando civis por todo o lado, quer estejam em casa, escolas, hospitais ou simples paragens de autocarro. Mas o problema parece ser os militares do país atacado não irem para os campos e florestas reagir contra os invasores, antes defendendo as cidades atacadas. Claro, deve ter sido o calor a provocar o dislate da Amnistia Internacional porque, lá está, estamos em Agosto.

Já as fotografias de Zelenski e da sua mulher Olena feitas pela consagrada Annie Leibowitz caíram muito mal em certos círculos que devem preferir as fotos de Putin de peito nu e a cavalo. O choque provocado pela lembrança dos tempos de paz com os cenários de guerra e destruição não diz nada a uma certa hipocrisia bem-pensante, tal como a esperança do regresso desses tempos, razão maior das fotografias, não o faz também. Mais valia o casal presidencial ucraniano atraiçoar o seu povo e ir entregar-se aos seus ditos salvadores russos, de preferência sem saltos altos e pinturas. Mas lá está, estamos em Agosto.


Já agora, o sec. geral da ONU desistiu dos objectivos da organização que dirige e agora ataca as empresas que têm «lucros excessivos»? A ONU a tratar de empresas????? Que fofinho, Eng. Guterres! E que populista! E que tal tratar dos países que organizam carteis e têm «lucros excessivos» como a OPEP dando cabo das economias de outros e criando pobreza enquanto ostensivamente constroem cidades «no céu»? E dos que são ricos à custa do fabrico e tráfico de armamento? Pelos vistos isso já não lhe dirá nada. Atacar empresas é o que está a dar. Pois, lá está, estamos em Agosto.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Agosto 2022

Imagens retiradas da internet

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