segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Portugal, pintura no feminino

 


A dimensão, qualidade e profundo significado do universo feminino da pintura em Portugal nos nossos dias, mas também no passado, é algo que sempre me impressionou embora não conheça muitos estudos que abordem globalmente essa área específica do mundo artístico. Sem qualquer pretensão de ser exaustivo, aqui deixo impressões breves sobre algumas das artistas que se me manifestaram de forma mais impressiva, sendo esta apenas uma amostra escolhida de forma pessoal dentro de um universo muito mais amplo.

Há alguns anos abordei nestas linhas a vida e a obra de Josefa de Óbidos, uma pintora de excepção que, no entanto, tanto tem sido desconsiderada havendo mesmo quem a qualifique como «pintora de santinhos» e não vale a pena identificar a grande figura das nossas letras que o fez, num momento certamente infeliz e menos informado. Contudo, chego a pensar se não haverá uma visão sexista na nossa sociedade, embora com transversalidade política, que tende a remeter as mulheres pintoras para os lugares esconsos das sacristias de igrejas ou ateliês privados de decoração, incluindo pintura.

Na actualidade não é possível ignorar duas grandes pintoras, ambas vivendo e exercendo a sua actividade artística fora de Portugal, embora expondo regularmente no nosso país. Adriana Molder nasceu em Lisboa em 1975 e vive em Berlim tendo exposto obras a título individual, mas também colectivamente como a exposição com Paula Rego em Cascais aquando da inauguração da Casa das Histórias desta última. Também Coimbra viu partir uma grande pintora, a minha querida amiga de infância Isabel Pavão. 


A Isabel vive em Nova Iorque e visita regularmente o país que a viu nascer trazendo a sua arte para ser apreciada por todos nós em exposições regulares, a maioria na cidade do Porto, para além das exposições que organiza um pouco por todo o mundo. A propósito, o leitor poderá admirar uma obra sua bem representativa da sua fase actual «Impressões» que ofereceu a Coimbra e está patente no Convento de S. Francisco.

Felizmente, há muitas mais pintoras vivas que continuam a exercer a sua actividade artística em Portugal. É impossível não referir Emília Nadal, Graça Morais ou Rosa Carvalho, esta última com as suas provocações visando realçar o papel da mulher na representação artística.

Das pintoras que atravessaram partes dos séculos XIX e XX, realço aqui Eduarda Lapa com a sua excepcional pintura naturalista, Aurélia de Sousa nascida no Chile. mas que viveu muitos anos no Porto, cidade onde faleceu e ainda Mily Possoz, de origem belga, que se notabilizou entre os primeiros modernistas. Após o seu casamento com Almada Negreiros Sarah Affonso como que decidiu apagar-se perante o génio do seu marido, mas a sua obra de enorme qualidade não merece ser esquecida.

Mais actuais, tendo nascido já no séc. XX, recordo aqui a modernista Maria Keil, bem como Menez, introdutora da pintura abstracta no nosso país, e ainda Armanda Passos e Maluda, esta com as suas representações de paisagens urbanas, como as célebres janelas.

Para o fim deixei as que serão provavelmente as duas maiores pintoras portuguesas do nosso tempo, também elas artistas que a partir de certa altura passaram a viver fora de Portugal, tendo atingido ambas um estatuto que vai também muito para além das nossas fronteiras: Maria Helena Vieira da Silva e Paula Rego.

Vieira da Silva nasceu em Lisboa em 1908 e faleceu em Paris em 1992, tendo-se naturalizado francesa em 1956. Foi para Paris apenas com 19 anos e casou com o pintor húngaro Árpád Szenes em 1930. Conhecida também pela sua actividade pró-democracia na Europa dominada pelos fascismos mas também em Portugal onde o Estado Novo lhe recusou a cidadania por motivos políticos, é contudo pela sua excepcional obra artística que Vieira da Silva é reconhecida internacionalmente.

Paula Rego deixou-nos há poucas semanas. Nascida em Lisboa em 1935 faleceu em Londres a 8 do passado mês de Junho. A sua obra conheceu vários períodos sendo o mais conhecido e impressivo aquele que se iniciou no fim dos anos 80 do séc. XX no qual transpôs para a tela os sentimentos mais íntimos e por vezes perturbadores que as mulheres tantas vezes experimentam e sofrem ao longo da vida, designadamente o aborto e a violência machista. Em 1990 foi a primeira artista residente na National Gallery em Londres, o que diz bem da excepcional importância que a sua obra adquiriu a nível internacional.

Espero que esta ligeira e despretensiosa passagem, a voo de pássaro, sobre a arte pictórica portuguesa com pinceladas no feminino, desperte o interesse em quem ainda não a conhece, sendo certo que o seu valor é intrínseco, independentemente do sexo de quem a produz e produziu. Mas lá que é bem feminina, isso também será indesmentível.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Agosto de 2022

Imagens recolhidas na internet

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