Não sendo economista e muito menos fiscalista, abstenho-me de analisar os pormenores intrínsecos do IRC. Mas há algo que, como comum cidadão interessado no estado do país e, fundamentalmente, no futuro que poderá oferecer aos meus netos, não posso deixar de reflectir sobre o real significado político da alteração do IRC. Na realidade o que, observando os diversos actores políticos parece uma birra para cada um dos lados, é algo que define uma fronteira entre visões opostas da actividade económica e do próprio regime.
Para se perceber o que se passa é necessário, em primeiro lugar, ver como se situa Portugal relativamente aos outros países em relação ao IRC. Assim, de acordo com a OCDE, em 2022 Portugal tinha a taxa máxima de IRC mais elevada da Europa que chega a atingir o máximo de 31,5%, mas também a maior taxa efectiva (28,4%) dos países europeus da OCDE. Esta diferença torna-se ainda mais significativa, mesmo abissal, se fizermos a comparação com os países que, como nós, têm um PIB per capita abaixo da média da União Europeia em que o valor máximo do IRC anda pelos 20%.
É possível, desde logo, tirar uma conclusão com graves consequências económicas para o nosso país. Com estas taxas, a que se soma um ambiente económico desfavorável às empresas, como são os prazos de decisão dos tribunais administrativos, torna-se difícil atrair investimentos estrangeiros de grande dimensão que são os que contam. Claro que a taxa normal de IRC é de 21% e que as Pequenas e Médias Empresas beneficiam de uma taxa reduzida de 17% sobre os primeiros 25 mil euros de matéria colectável. Só estes valores dizem bem da pobreza da economia das PME, a esmagadora maioria das empresas portuguesas. O problema é que à taxa normal o Estado acrescenta as derramas municipal e estadual, atirando as taxas efectivas para aqueles valores estratosféricos.
Mas há outros aspectos a ter em conta no que respeita ao IRC e seu significado. É um imposto que se aplica aos resultados gerados pela actividade das empresas. Aquilo a que se chama habitualmente o seu lucro. A empresa é uma instituição que radica no capital investido pelos seus accionistas, os chamados patrões. A que se juntam instalações e equipamentos bem como os empregados, os trabalhadores que entregam o seu saber, labor e capacidades à empresa; tudo para produzir os bens ou serviços que trazem as receitas à empresa. É sobre os resultados das empresas que incide o IRC e é indiscutível que o lucro da empresa deve ter um significado social que justifica a sua taxação. Contudo, há um ponto de equilíbrio a partir do qual o imposto tem uma consequência negativa, que é a descapitalização a longo prazo da economia. É isso que está, há dezenas de anos, a acontecer em Portugal.
A descida da taxa de IRC liberta capital que permite orientá-lo para três destinos que podem e normalmente acontecem em simultâneo: descida do preço do produto ou serviço produzido, investimento na empresa e subida de ordenados dos trabalhadores. Se houver distribuição de dividendos, estes são sujeitos a um imposto de 28%. É preciso notar que os resultados da empresa são dos seus proprietários e é o Estado que lá vai buscar uma parte que socialmente se acha justo para redistribuição. Precisamente ao contrário do que certa esquerda parece pensar quando diz que diminuir o IRC é dar dinheiro aos ricos como se diz em cartazes do BE. Só que ninguém dá dinheiro a quem já é dono dele. Trata-se de um populismo inaceitável que radica num nos piores sentimentos das pessoas, que é a inveja, aproveitando para fazer uma luta de classes perfeitamente desajustada nos dias de hoje, em que a História já mostrou quais as suas consequências. De novo recordo Otelo Saraiva de Carvalho quando, em pleno PREC, visitou a Suécia para conhecer ao vivo a social-democracia nórdica. Ao referir ao PM sueco Olof Palm que em Portugal se estava a acabar com os ricos, este respondeu-lhe que na Suécia estavam a tratar de acabar com os pobres. Não é preciso dizer mais.
A taxação excessiva ao longo de dezenas de anos, quer do trabalho através do IRS, quer da economia através do IRC, é uma razão fundamental para os reduzidos ordenados em Portugal. Trata-se de uma fronteira ideológica, mas também de um choque entre a realidade e a ideologia que nunca trouxe mais riqueza ao povo porque só se distribui o que se produz.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Outubro de 2024
Sem comentários:
Enviar um comentário