Dentro de poucas semanas os norte-americanos irão a votos para escolher o seu Presidente, que será o 47º desde o primeiro que foi George Washington entre 1789 e 1797, logo depois da Guerra da Independência contra a Grã-Bretanha que se seguiu à Declaração de Independência em 1776. Pela primeira vez poderá ser uma mulher a exercer o cargo, se a candidata democrata Kamala Harris vencer as eleições, o que só por si seria histórico.
Kamala Harris não é perfeita, muito longe disso, tem posições não consensuais em que é criticada por largos sectores sociais americanos. Mas do outro lado está uma candidatura que levanta questões bem mais sérias e de possíveis consequências trágicas para os americanos, mas não só. Bem sei que se costuma dizer que os americanos votam com a mão na carteira, o que significa que a economia é crucial nas suas decisões, ou não estivesse inscrito nas notas de dólar “in God we trust”. Mas há dois aspectos nestas eleições que deveriam fazer pensar muito para além da economia.
Em primeiro lugar, a questão interna da imigração. A América foi construída com os imigrantes. Costumo dizer que os únicos americanos verdadeiros são os índios. Só que esses, ou foram mortos ou basicamente vivem em reservas. A América é um verdadeiro mosaico de nacionalidades e etnias, tendo cidadãos originários de todo o mundo e essa é mesmo uma das suas virtualidades. Mesmo aqueles como Donald Trump que se consideram mais americanos do que os outros pertencem a famílias que só vivem na América há duas ou no máximo três gerações. É patético que se suscitem movimentos contra os imigrantes que seguem o “sonho americano” tal como o fizeram os que passaram pela Ellis Island nos fins do sec. XIX e cerca metade do sec. XX e fugiam de uma Europa pobre que não oferecia um futuro que se visse. Muitos dos que hoje se manifestam contra os imigrantes de hoje são descendentes directos daqueles e deviam recordar-se do facto. Quando Donald Trump se refere aos imigrantes que roubam cães e gatos para comer em Springfield-Ohio está a ser apenas ele próprio, grosseiro e populista, sem qualquer sentimento de solidariedade para com os semelhantes. Mas quando o seu candidato a vice-presidente J. D. Vance admite inventar histórias como essa para manipular a opinião pública, aí o caso já muda de figura. J.D. Vance não é um Trump ignorante, é um advogado jovem com 40 anos, que já é veterano da Marinha na guerra do Iraque e se formou em Direito pela Universidade de Yale. É inteligente, sabe bem o que diz e tem solidez ideológica nas suas posições, tendo mesmo escrito um livro que explica o grande apoio popular de Trump. Pretende representar todos aqueles que se acham excluídos da nova economia resultante da globalização liderando a luta contra o dito “sistema” tal como o fazem todos os populistas um pouco por todo o mundo; contudo, apesar do elevado conhecimento, não percebe que segue as pisadas do fascismo de há cem anos que deu tão maus resultados.
Depois, temos a questão externa, da situação internacional, em particular da guerra na Ucrânia invadida pela Federação Russa desde há dois anos e meio. Trump faz questão de afirmar que, vencendo ele as eleições, resolve a questão em dois dias. Não diz como, mas para que tal aconteça só pode haver uma hipótese: obrigar a Ucrânia a aceitar os termos russos retirando-lhe toda e qualquer capacidade de resposta militar. Isto é, Trump é a melhor garantia de Putin para o seu imperialismo. Já o seu candidato a vice não se fica por aqui, acrescentando que a Ucrânia deverá ainda abdicar da sua soberania, não lhe sendo permitido escolher pertencer à União Europeia ou à NATO. Claro que, enquanto isto defendem, vão dizendo que se trata de um problema europeu não tendo a América obrigação de se maçar nem de pagar um dólar para a sua resolução. Faz-me lembrar aqueles americanos que, nos anos trinta e quarenta do sec. passado, defendiam um afastamento da América da guerra na Europa, porque Hitler até nem era tão mau como isso e a América não tinha nada a ver com o que se passava deste lado do Atlântico. Não tinham razão, claro, mas para muitos até pareciam sensatos e patriotas no seu isolamento.
Que hoje se tenha de lembrar estes aspectos diz bem do actual estado das democracias. Infelizmente o digo, sem grande esperança em melhorias acentuadas.
Imagem recolhida na internet
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 Setembro 2024
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